"Ao centrar os problemas do desenvolvimento na igualdade de oportunidades, não há uma mudança de orientação no Banco Mundial? Uma viragem 'à esquerda'?
Acho que há uma convergência no debate sobre o desenvolvimento económico no sentido de reconhecer que fórmulas antigas e extremas são incompletas.
Por um lado, querer desenvolver sem mercados, sem uma gestão macroeconómica competente, leva ao fracasso. Por outro, ter mercados e um governo 'enxuto' sem dar à grande maioria das pessoas oportunidade para participar nos mercados, acesso aos serviços públicos de que precisam para desenvolver o seu capital humano, também não leva a nada. Mercados sem oportunidades não funcionam.
Mas instituições como o BM e ou o Fundo Monetário Internacional (FMI) costumam focar-se no lado do crescimento...
Acho que essa visão existiu no BM, sobretudo nos anos 80. Nos anos 90, começou a mudar. Gostaria de poder dizer que o nosso relatório é totalmente revolucionário, mas isso não é verdade.
Nos países que cresceram muito na Ásia nas últimas décadas - a Coreia [do Sul], Taiwan - houve reforma agrária, investimento importante na educação básica, [uma aposta] nos fundamentos do crescimento.
A China e a Índia passaram a crescer muito combinando a liberalização comercial com uma base de acesso a serviços e à terra mais equalitária. Enquanto isso, a América Latina e África, nos últimos 15 ou 20 anos, em função parcialmente das suas desigualdades, não têm conseguido descolar.
Julgo que o BM vai seguir na direcção que este relatório aponta. Se essa orientação é de esquerda ou não, isso é uma questão semântica.
Essa orientação não implica um Estado mais interveniente, programas de discriminação positiva?
Sim. Em muitos países, é preciso haver um papel redistributivo mais forte do Estado. A questão é como redistribuir. Aí, o nosso foco em desigualdade de oportunidades implica que a maior redistribuição não tem de ser de rendimento. Pode ser rendimento, mas é sobretudo de maior investimento na qualidade da escola primária, na disponibilidade e qualidade do ensino pré-escolar.
Em alguns casos isso implica aumento do tamanho do Estado. Em outros, implica uma mudança em como o Estado gasta os seus recursos. É o caso do Brasil...
...um exemplo clássico de um país com grandes desigualdades...
E que no entanto tem um Estado grande, muito grande. Um estado que [pesa] 36 por cento no PIB. A questão no Brasil não é aumentar o peso do Estado, é reorientar a maneira como gastamos os recursos. De forma geral, no Brasil redistribuímos dos ricos para os ricos. Temos de passar a redistribuir dos ricos para os pobres.
Mas enfatizamos neste relatório que o BM quer parar de fazer prescrições absolutas para os países. Cada país tem os seus problemas, deve resolvê-los da sua forma.
O relatório recomenda mais migração para países da OCDE - uma coisa que as opiniões públicas na OCDE em geral não querem...
É, sempre que a gente vem à Europa tem essa discussão. Mas é impossível não mencionar que o factor cuja dotação é mais intensiva entre os mais pobres é o trabalho não qualificado, menos móvel que capital ou trabalho qualificado. Seria interessante se as sociedades [ocidentais] pudessem pensar em mecanismos para permitir maiores níveis de migração - regimes temporários, por exemplo.
Temos consciência de que há uma série de problemas sociais complexos nos países que recebem imigrantes. O banco está aí apenas a sinalizar aos cidadãos dos países mais ricos que, se pudesse haver mais migração, isso seria uma ajuda para cidadãos dos países mais pobres. Mas, mais uma vez, cada sociedade tem de resolver suas questões internas, não queremos propor algo que vá aumentar o conflito social, isso seria ruim para os migrantes também.
O relatório também coloca muita ênfase nos subsídios à agricultura dos países ricos...
Nessa área sou muito menos compreensivo para os problemas dos países ricos que na imigração. A coexistência de uma retórica de liberalização por parte dos países ricos com subsídios à agricultura - não só à produção mas à exportação! - e com o dumping de produtos agricolas não faz sentido.
É uma hipocrisia danosa. O açúcar, por exemplo, ou o algodão, são produtos que algumas das pessoas mais pobres do mundo produzem. São produtos que fazem o ganha-pão de trabalhadores rurais na América Latina, na África, na Ásia, que são directamente afectados pela [concorrência desleal].
Acha mais importante que os países ricos reduzam os subsídios que aumentar a ajuda ao desenvolvimento?
Sim. O efeito da correcção na distorção dos mercados seria muito mais significativo e duradouro que um aumento na ajuda bilateral. Mas acho que os países ricos deviam fazer as duas coisas!" (Pedro Ribeiro - Público, 03/11/2005)
Acho que há uma convergência no debate sobre o desenvolvimento económico no sentido de reconhecer que fórmulas antigas e extremas são incompletas.
Por um lado, querer desenvolver sem mercados, sem uma gestão macroeconómica competente, leva ao fracasso. Por outro, ter mercados e um governo 'enxuto' sem dar à grande maioria das pessoas oportunidade para participar nos mercados, acesso aos serviços públicos de que precisam para desenvolver o seu capital humano, também não leva a nada. Mercados sem oportunidades não funcionam.
Mas instituições como o BM e ou o Fundo Monetário Internacional (FMI) costumam focar-se no lado do crescimento...
Acho que essa visão existiu no BM, sobretudo nos anos 80. Nos anos 90, começou a mudar. Gostaria de poder dizer que o nosso relatório é totalmente revolucionário, mas isso não é verdade.
Nos países que cresceram muito na Ásia nas últimas décadas - a Coreia [do Sul], Taiwan - houve reforma agrária, investimento importante na educação básica, [uma aposta] nos fundamentos do crescimento.
A China e a Índia passaram a crescer muito combinando a liberalização comercial com uma base de acesso a serviços e à terra mais equalitária. Enquanto isso, a América Latina e África, nos últimos 15 ou 20 anos, em função parcialmente das suas desigualdades, não têm conseguido descolar.
Julgo que o BM vai seguir na direcção que este relatório aponta. Se essa orientação é de esquerda ou não, isso é uma questão semântica.
Essa orientação não implica um Estado mais interveniente, programas de discriminação positiva?
Sim. Em muitos países, é preciso haver um papel redistributivo mais forte do Estado. A questão é como redistribuir. Aí, o nosso foco em desigualdade de oportunidades implica que a maior redistribuição não tem de ser de rendimento. Pode ser rendimento, mas é sobretudo de maior investimento na qualidade da escola primária, na disponibilidade e qualidade do ensino pré-escolar.
Em alguns casos isso implica aumento do tamanho do Estado. Em outros, implica uma mudança em como o Estado gasta os seus recursos. É o caso do Brasil...
...um exemplo clássico de um país com grandes desigualdades...
E que no entanto tem um Estado grande, muito grande. Um estado que [pesa] 36 por cento no PIB. A questão no Brasil não é aumentar o peso do Estado, é reorientar a maneira como gastamos os recursos. De forma geral, no Brasil redistribuímos dos ricos para os ricos. Temos de passar a redistribuir dos ricos para os pobres.
Mas enfatizamos neste relatório que o BM quer parar de fazer prescrições absolutas para os países. Cada país tem os seus problemas, deve resolvê-los da sua forma.
O relatório recomenda mais migração para países da OCDE - uma coisa que as opiniões públicas na OCDE em geral não querem...
É, sempre que a gente vem à Europa tem essa discussão. Mas é impossível não mencionar que o factor cuja dotação é mais intensiva entre os mais pobres é o trabalho não qualificado, menos móvel que capital ou trabalho qualificado. Seria interessante se as sociedades [ocidentais] pudessem pensar em mecanismos para permitir maiores níveis de migração - regimes temporários, por exemplo.
Temos consciência de que há uma série de problemas sociais complexos nos países que recebem imigrantes. O banco está aí apenas a sinalizar aos cidadãos dos países mais ricos que, se pudesse haver mais migração, isso seria uma ajuda para cidadãos dos países mais pobres. Mas, mais uma vez, cada sociedade tem de resolver suas questões internas, não queremos propor algo que vá aumentar o conflito social, isso seria ruim para os migrantes também.
O relatório também coloca muita ênfase nos subsídios à agricultura dos países ricos...
Nessa área sou muito menos compreensivo para os problemas dos países ricos que na imigração. A coexistência de uma retórica de liberalização por parte dos países ricos com subsídios à agricultura - não só à produção mas à exportação! - e com o dumping de produtos agricolas não faz sentido.
É uma hipocrisia danosa. O açúcar, por exemplo, ou o algodão, são produtos que algumas das pessoas mais pobres do mundo produzem. São produtos que fazem o ganha-pão de trabalhadores rurais na América Latina, na África, na Ásia, que são directamente afectados pela [concorrência desleal].
Acha mais importante que os países ricos reduzam os subsídios que aumentar a ajuda ao desenvolvimento?
Sim. O efeito da correcção na distorção dos mercados seria muito mais significativo e duradouro que um aumento na ajuda bilateral. Mas acho que os países ricos deviam fazer as duas coisas!" (Pedro Ribeiro - Público, 03/11/2005)
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