joi, ianuarie 05, 2006

Falência - Supremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
O Banco A, S.A. (hoje é sua sucessora a ..., S.A.) intentou em 27/5/96 acção especial de Declaração de Falência contra B e mulher C.
No decurso do processo vieram em 12/8/2004 estes deduzir embargos à sentença que declarou a sua falência, embargos esses que foram julgados improcedentes.
Inconformado com tal decisão dela recorreram os mesmos B e esposa C para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí entendido que face ao disposto no art.º 228, n.º 3 C.P.E.R.E.F. e dado que não foi oferecida qualquer prova e o valor da acção (2.000.001$00) está fora da alçada da Relação o recurso de agravo devia subir directamente para este Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, na realidade, estamos em presença de um caso particular do recurso per saltum estatuído na supra mencionada norma legal, devendo-se acrescentar-se que está apenas em causa matéria de direito.
Cumpre, pois, decidir.
Formulam os recorrentes nas suas alegações as seguintes conclusões:
"1- Por douto Acórdão do STJ de 21/10/97 a fls.59 e seg.tes do apenso 98C/96 foi determinado anular todo o processado subsequente ao despacho de 5/7/96.
2- A publicação de anúncios no DR, ao abrigo do art. 20° n°3 do CPEREF ocorreu em 8/8/96.
3- Nuca foram publicados os anúncios num jornal diário de grande circulação nacional, nos termos do art. 20º n.º 3 do CPEREF.
4- Havendo vários citandos, podem aguardar até ao termo do último prazo para apresentar a sua oposição, uma vez que a situação é equivalente à da contestação em processo ordinário (vide Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência Anotado - 38 edição in anot 7 ao art 20° pág 111),
5- Os recorrentes tinham assim o prazo para deduzir oposição considerando as publicações referidas no art. 20° n°3 do CPEREF.
6- Seja por ter sido anulado o processado (quanto à publicação no DR de 8/8/96) e não ter sido feita nova publicação, seja por nunca ter existido a publicação no jornal diário de grande circulação nacional, os recorrentes ainda estão em prazo para deduzir a competente oposição ao requerimento inicial.
7- O processo está eivado de irregularidade manifesta que põe em causa a sua real fundamentação.
8- Verificam-se assim os dois pressupostos referidos no art. 129° n°1 do CPEREF.
9- A falta de publicação dos anúncios no jornal diário de grande circulação nacional é directa e somente imputável á recorrida/requerente da falência.
10- Decorreram muito mais de 60 dias do requerimento inicial.
11- A instância deveria haver sido declarada extinta nos termos do art. 20° n°5 do CPEREF.
12- Os embargos deveriam proceder.
A douta sentença violou os art.ºs 20° n° 1, 3 e 5, 129° n° 1 do CPEREF.
Termos em que, pelos fundamentos expostos e outros que V.ªEx.ª doutamente suprirão deve a sentença apelada ser revogada e substituída por outra que considerando procedentes os embargos, revogue a sentença declaratória da falência e declare extinta a instância falimentar."
Corridos os vistos cumpre decidir.
Na decisão recorrida da 1ª instância considerou-se quanto à sua fundamentação o seguinte:
1- De facto "...- por despacho de fls. 602 proferido em 13/07/2001 (Vol II dos autos principais), em obediência ao douto Acórdão do STJ proferido a fls. 59 e ss. dos autos de recurso de agravo apensos (n° 98-C/96), foi determinada a anulação de todo o processado subsequente ao despacho proferido em 05/07/96 (fls. 89);
- por despacho de fls. 606 proferido em 28/09/2001 dos mesmos autos, foi ordenada a "citação (pessoal) dos requeridos" nos termos e para efeitos do art.º 20.°, n.° 1, al a) e n.°s 2 e 3, 1ª parte do C.P.E.R.E.F. e notificação do mandatário, pelos fundamentos aí constantes;
- em 09-10-2001 os requeridos foram citados pessoalmente (fls. 612);
- em 08-08-1996 foi publicado no DR -III série o anúncio para citação dos credores desconhecidos dos requeridos (fls. 169);
- em 01-08-96 e em 18-07-96 foram, respectivamente, publicados a anúncios no jornal regional, quinzenal, "O Alcoa" (fls. 170);
- tais publicações não forma repetidas no seguimento da anulação do processado;
- por sentença de 26-07-2004 (fls 704 e ss dos autos principais) foi decretada a falência dos requeridos."
2- De Direito
Do teor do despacho de fls. 607 (anote-se que consta agora da fotocópia de fls. 104 destes autos) emana com toda a clareza que aí foi determinada a citação (pessoal) dos requeridos nos termos e para os efeitos do art.º 20º n.º 1 al. a) e n.ºs 2 e 3 1ª parte do C.P.E.R.E.F.Desse preceito resulta que a formalidade de citação (com anúncios no Diário da República e no jornal) se destina aos demais credores (leia-se os desconhecidos).Portanto, estes não estão contemplados no despacho em apreço (fls. 607 v.), pois, a citação aí ordenada, nos termos do aludido n.º 3 do art.º 20 é feita nos termos da 1ª parte, portanto, só para os requeridos, conforme resulta do restante teor do despacho, e esta foi, devidamente, cumprida no seguimento do aí ordenado.
Assim entende-se que pelo despacho de fls. 606 e seguintes ficou regularizada a instância, ficando desta forma precludida a apreciação da extinção da instância ao abrigo do art.º 20 n.º 5 do citado diploma legal.
Ora delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes há desde logo que dizer que eles carecem de razão.
Na verdade, esta fundamentação de direito, única posta em crise por aqueles, está correcta, não merecendo qualquer censura da jurisprudência crítica que compete a este Supremo Tribunal.
De todo injustificada, com efeito, a pretensão daqueles de serem feitas novas publicações no Diário da República e num jornal Diário só porque este Supremo Tribunal ordenou que fossem eles novamente citados por ter faltado a notificação de um despacho ao advogado com procuração no processo (Acórdão de 21/10/97, cuja fotocópia se encontra a fls. 20 a 23v. destes autos).
E, sem sentido, a sua alegação de que ainda estão eles agora (anos decorridos) em tempo de deduzir a sua oposição, bem como a sua (não provada) afirmação de que a publicação de novos anúncios é imputável à recorrida ... (sucessora do A), pelo que tendo decorrido o prazo de 60 dias, sempre teria de ser declarada extinta a instância, atendendo ao disposto no art.º 20º n.º 5 C.P.C..
Como se diz a este propósito na decisão recorrida, a instância ficou regularizada, ficando, assim, precludida a apreciação da extinção da instância.
Em suma, o que dispõe o n.º 3 do art.º 20 do CPEREF, isto é, que "o devedor e os cinco maiores credores conhecidos são citados pessoalmente, nos termos e pelas formas prescritas na lei processual; os demais credores serão chamados por edital, com as formalidades determinadas pela incerteza das pessoas, com prazo de dilação de 10 dias e com anúncios no Diário da República e num jornal diário de grande circulação nacional" só pode ter o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida, e não aquele que lhe pretendem dar os recorrentes.
Não se olvide a este propósito que as normas jurídicas só serão correctamente interpretadas se permitem uma justa decisão do caso concreto (decisão ético racionalmente justificada pelos interesses fundamentais a ter em conta e pela atenção aos seus efeitos práticos) - Prof. Castanheira Neves, O sentido actual da Metodologia Jurídica.
E, como também se sabe, não há interpretação das proposições normativas sem referência a casos concretos (v. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Da Crítica Dogmática à Dogmática da Crítica), sendo que o legislador ao verter para o direito positivo determinados preceitos normativos está já a expressar a sua compreensão de uma realidade que é anterior ao texto (Joana Aguiar e Silva, A prática judiciária entre Direito e Literatura).
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, improcedem as conclusões das alegações dos recorrentes, sendo de manter o decidido na decisão da 1ª instância, que não violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados por aqueles.
Decisão
1- Nega-se provimento ao agravo.
2- Condenam-se os recorrentes nas custas.Lisboa, 7 de Dezembro de 2005
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos
Silva Salazar

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