"Ao fim do primeiro de três anos de mandato, o presidente da CCP faz um balanço positivo da nova gestão que lidera e que sucedeu a 11 anos consecutivos de Governo de Vasco da Gama. Começou por dar prioridade a arrumar a casa e a equilibrar as contas da confederação que, garante, já vinham com quatro anos de défice acumulado. A aposta agora vira-se para a dinamização do comércio tradicional, pedindo que sejam dadas maiores responsabilidades às associações e puxando da manga de um trunfo importante para o futuro próximo: a criação da maior rede de balcões 'online' para o comércio e os serviços em Portugal.
PÚBLICO - Uma das suas bandeiras de campanha foi o reforço da capacidade de intervenção da CCP. Um ano passado, a confederação está mais forte?
José António Silva - Está mais forte porque está mais próxima das associações filiadas. Criámos em finais de Dezembro passado um gabinete de apoio para os associados, algo que a confederação nunca teve e que veio resolver o problema da extrema fragilidade e dificuldade de comunicação que existia entre as associações e a CCP. Estamos também a reunir com as associações - já o fizemos com cinquenta por cento e nos próximos dois a três meses teremos reunido com todas - para conhecer e debater com profundidade e eficácia os problemas inerentes a cada um dos diferentes tipos de associados, regionais, sectoriais e de serviços, e definir estratégias de actuação conjuntas. Antes a comunicação entre a confederação e os associados restringia-se apenas ao apoio a candidaturas às eleições e aos projectos que era a própria CCP a lançar.
P - A confederação ressentiu-se do surgimento da Federação Nacional do Comércio em finais do ano passado?
R - Tanto quanto sei essa federação ainda nem está constituída formalmente. O associativismo é livre em Portugal e estaremos sempre disponíveis para dialogar caso essa federação venha a confirmar-se uma realidade. Mas não me parece nada apropriado haver agora qualquer espécie de fraccionamento ou dispersão num momento em que o sector empresarial e o associativismo perdem cada vez mais capacidade de intervir junto do poder político.
P - Houve perda de associados?R - Todas as associações continuam a trabalhar no seio da confederação e a beneficiar das estruturas que pomos ao dispor delas, mesmo as que supostamente aderiram aos esforços de constituição dessa nova federação. Aliás, já aderiram mais quatro novas e contamos actualmente com 101 associações filiadas.
P - Durante a sua campanha afirmou também ser muito importante trazer à CCP a filiação dos sectores das finanças, da saúde e das comunicações. Isso já foi conseguido?
R - Esse é um trabalho que vamos deixar um pouco mais para a frente neste mandato. A nossa prioridade foi consolidar a ligação interna da confederação aos associados e não fez sentido até agora dispersar esse trabalho com a abertura de novas frentes.
P - Está satisfeito com a aplicação do novo regime de licenciamento comercial aprovado no ano passado?
R - Nada. Se há 20 ou 30 anos se anteviam os problemas que as grandes superfícies iam trazer, hoje então a questão é premente e exige soluções urgentes. O comércio tradicional veio de uma quota de mercado de 85 por cento para cerca de 15 por cento nos últimos 15 anos e, fruto dos licenciamentos que se estão a fazer hoje, assistiremos muito rapidamente a uma perda de ainda mais 90 por cento. Só na área alimentar desapareceram 20 mil lojas na última década. E temos toda a convicção que o comércio vai perder, nos próximos dois anos, cem mil empregos se nada for feito. Não somos contra a concorrência, somos é por uma concorrência sã de coexistência dos diferentes formatos, o que não está a acontecer apesar de contemplado no novo regime. Há já hoje um enorme desequilíbrio concorrencial para o qual o Estado está a ser incapaz de encontrar respostas.
P - Que papel espera do Estado neste aspecto?R - Pouco interventor e regulador. Mas não só não intervém como não regula. A lei do licenciamento comercial cometeu o erro gravíssimo de fazer depender a aplicação e execução da lei das comissões que são lideradas pelas câmaras municipais. O Governo desresponsabilizou-se e dispersou a responsabilidade por 365 concelhos, muitos com diâmetros inferiores a três ou quatro ou cinco quilómetros, onde existe uma visão que não é regional - e menos ainda nacional - e onde imperam os interesses imobiliários. As aprovações de licenciamento funcionam muitas vezes apenas como forma de financiamento das autarquias. Não existe qualquer planeamento comercial efectivo e o sistema foi todo pervertido.
P - Mas não foi para isso que a própria CCP criou a figura do gestor do centro comercial urbano?
R - O propósito era esse mesmo, o de formar pessoas com conhecimentos técnicos para trabalharem junto das autarquias que já têm UrbCom [planeamento das cidades num ponto de vista do comércio], mas aquilo a que temos vindo a assistir é que as câmaras não recebem muitas vezes estes gestores da forma como o deviam fazer porque vêm neles uma ameaça aos poderes instituídos.
P - Acha que esses gestores dos centros comerciais urbanos deviam fazer parte das comissões de aprovação dos licenciamentos comerciais?
R - Faria bem mais sentido ter nas comissões alguém com conhecimento técnico daquilo que são o comércio e serviços de uma cidade, do que a figura do presidente da Assembleia Municipal. Aliás, a leitura que faço da presença do presidente da assembleia municipal a par da do presidente da câmara nas comissões de aprovação é a de que se está a dar poder de decisão discriminatório às autarquias nestas matérias.
P - O sector está então sem uma 'carta do comércio' norteadora?R - E sem quaisquer dados fiáveis para fazer o planeamento e ordenamento comercial urbano. Por isso assinámos há três meses um protocolo com o Instituto Nacional de Estatística para criar estatísticas sobre o comércio e serviços em Portugal, dados esses que não existem - é o próprio INE [Instituto Nacional de Estatística] que o reconhece - e que supostamente devem ser determinantes nas decisões de aprovação dos licenciamentos comerciais. Mas temos até que ir mais além de uma 'carta do comércio'. O Governo tem que ter uma visão estratégica para o comércio e serviços e definir urgentemente um programa integrado para o sector, o qual contribui com 70 por cento do VAB [Valor Acrescentado Bruto, que corresponde à riqueza criada pelas empresas] e com 55 por cento do emprego. A legislação avulsa dos últimos anos apenas tem respondido pontualmente aqui ou acolá às solicitações e, em muitos casos, até em resultado da capacidade de lobi deste ou daquele sector.
P - Refere-se à questão do fecho dos estabelecimentos comerciais ao domingo?R - Essa é uma das questões essenciais, porque a verdade é que nada justifica que as unidades de grande dimensão estejam abertas ao domingo. Não tem nada de salutar para a economia do país e só serve incentivar de forma desmedida o consumo e para promover um desequilíbrio concorrencial ainda maior entre os diversos formatos comerciais. Aliás, há até um conjunto de grandes "players" da distribuição em Portugal que já defendem em surdina o encerramento dos estabelecimentos ao domingo, porque também eles se sentem ameaçados pelos 'discount'. Estas matérias têm que ser revistas sob o risco de enfrentarmos um problema social bastante grave a curto prazo que não se vai resolver de certeza absoluta com o aumento do IVA.
P - Inevitavelmente o aumento do IVA também irá ter impacto do consumo...R - Com o actual endividamento das famílias é mesmo impossível que este aumento de dois por cento do IVA não venha a diminuir o consumo. Mas não é só verdade que estamos a consumir acima das nossas capacidades, é também verdade que são necessárias outras medidas para trazer competitividade às empresas, que passam necessariamente pela redução da despesa pública. Aceitamos fazer agora o esforço que evidentemente o país nos exige, mas este aumento dos impostos deve ser provisório e muito bem balizado no tempo, com o compromisso de se avançar com a redução das taxas assim que retomado o equilíbrio. Seria bastante mais justo fazer uma fiscalização sistemática para pôr termo à evasão fiscal do que aumentar a carga fiscal daqueles que já cumprem. Aliás, a concorrência desleal está também a ser promovida por uma série de práticas comerciais sobre as quais carece legislar com urgência.
P - A que práticas se refere?R - Para começar, ao verdadeiro escândalo de 'dumping' a que temos assistido, em que são utilizadas técnicas de 50 por cento de desconto num conjunto de produtos para contornar a proibição legal de venda abaixo dos preços de custo. Estão a ser feitas coisas, sob a capa das boas práticas, que nada têm a ver com as boas práticas. E também por isso achámos importante fazer um Código de Ética do Comércio e Serviços que apresentaremos publicamente a 29 de Junho e onde a CCP explana aquilo que os empresários devem aceitar como desafio de defesa dos consumidores, do ambiente, de si próprios, de uma boa relação com os fornecedores e todos os parceiros que lhes estão associados e até com o Estado." (Público - Suplemento Economia, 6 de Junho de 2005)
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