luni, aprilie 11, 2005

Entrevista do Presidente da Autoridade da Concorrência

Foi publicada no jornal Público de hoje uma entrevista do Prof. Abel Mateus, Presidente da Autoridade da Concorrência, dada no programa Diga Lá Excelência, uma parceria Público/Rádio Renascença, às jornalistas Lurdes Ferreira e Graça Franco.
Com fundamentos estritamente científicos e didáticos, em seguida transcrevemos algumas passagens, pois o Público passou a estar acessível apenas para assinantes desde a semana passada.
"[...]
Quis fazer do processo de cartel das farmacêuticas um exemplo para o mercado. Aplicou uma multa histórica de 3,2 milhões de euros, mas a lentidão da justiça vai arrastar o processo de recurso em recurso. Até onde vai a eficácia da sua decisão?
É um problema que me preocupa muito, e não é um problema só de Portugal. Todos os países do sul da Europa têm problemas semelhantes com a lentidão da justiça. O Tribunal do Comércio tem mostrado uma grande celeridade nos recursos, nos últimos tempos. A seguir, poderá haver recurso para a Relação, que é a ultima instância de recurso. Esperemos que as coisas sejam mais céleres que no passado. O atraso nessas decisões reduz a eficácia da autoridade. Disso não tenho dúvidas.
Anunciou como grande prioridade do seu mandato a luta contra os cartéis, combinações entre empresas com vista a dividir o mercado, mas dentro dos cartéis identificou os concursos públicos. É um problema grave na nossa economia?
É uma preocupação fundamental, não apenas da autoridade portuguesa, mas de todas as autoridades europeias. A coligação de empresas em concursos públicos leva a que os preços de venda desses produtos ao Estado sejam muito mais elevados do que se houvesse concorrência, prejudicando os contribuintes e o público em geral.
Estou satisfeito porque em Portugal, apesar de sermos uma entidade jovem, já temos cerca de 25 concursos em que foi identificada a coligação.
Quer dizer que já identificou 25 casos de cambão em Portugal?
Exactamente, que estão em investigação.
E que entidades e sectores?
Isso está em segredo de justiça.
São na construção, na saúde?
São concursos públicos de dois sectores. Não posso avançar mais.
Estes 25 casos resultam de denúncias à AdC ou de sua iniciativa?
Resultam de denúncias das empresas e das entidades que supervisionaram os concursos.
E o que está a fazer nos casos de concursos públicos feitos à medida, ou seja, de conluio entre a entidade ajudicatária e o fornecedor?
Estamos a criar um grupo de trabalho com o Ministério Público, com a Inspecção-Geral de Finanças e com o Tribunal de Contas para olhar para as melhores práticas europeias nesta área e vamos ver dentro das entidades adjudicatárias que casos concretos existem.
Muitas vezes, acontece que há uma adjudicação a empresas que, por um motivo ou por outro, parecem ser as únicas fornecedoras.
Não é a via correcta. Deve-se repetir todo o processo. A concorrência é a melhor forma de o consumidor obter o melhor preço. As compras electrónicas vão tornar o processo mais transparente e mais eficaz.
Nesta linha de defesa dos consumidores, quando vou daqui para o Porto e entro numa auto-estrada não tenho concorrente, desde a portagem a pagar ao preço dos combustíveis e do café. O que pode a AdC fazer para defender o consumidor?
Quando, entre dois pontos, há alternativas de ligação, há possibilidade de haver concorrência. Por exemplo, estou a falar da A8, que já constitui uma alternativa à A1 para uma série de localidades.
Pode-se estabelecer uma concorrência entre essas duas vias, a nível da portagem ou a nível de prestação de serviços. Hoje, para ir de Lisboa a Leiria, posso optar entre a A1 e a A8.
Há um ano, fez uma entrada inédita na PT, apreendeu documentação e correspondência, mas o Tribunal obrigou à devolução de uma parte dos documentos. Não foi uma derrota, mesmo que o processo esteja em curso?
A devolução de parte dos documentos não foi efectuada porque estamos em recurso. Isto em nada limita a nossa capacidade actual, porque estamos a prosseguir com os processos.
[...]
Como viu o anúncio da venda de medicamentos de venda livre fora das farmácias?
É uma medida amiga da concorrência porque aumenta o número de empresas que oferecem esses produtos.
E há alguma justificação para a exclusão dos medicamentos de venda livre comparticipados pelo Estado?
Esses produtos estão incluídos numa receita médica e estas têm um controlo.
Porque o Estado só quer comparticipar medicamentos de venda livre dentro das farmácias e não nos hipermercados?
O processo administrativo de controlo é que é complicado. Um caso interessante é a venda de produtos por causa da Sida. Houve pressão para que os medicamentos para a Sida se vendessem a preços mais baixos nos países subdesenvolvidos. Aconteceu que se organizaram cadeias de empresas para comprar produtos nesses países e reexportá-los para os países desenvolvidos. Quando há subsídios há sempre que controlar de forma apertada o processo.
Já há um ano, identificava no sector das farmácias os limites à liberdade de estabelecimento. Propôs, depois, alguma iniciativa com vista a liberalizar este acesso?
Não somos o único país da Europa a ter este tipo de regulação. É um sector que está a ser analisado hoje em muitos países europeus. Estamos a fazer um estudo que será publicado no final do Verão, sobre a venda a retalho dos medicamentos e a fixação de preços.
Mas ainda não uma recomendação para que se liberalize o acesso a este negócio?
Estamos a preparar essa recomendação que será resultante desse estudo. O problema básico é o de separar o papel de gestor da farmácia do papel de técnico. Não tem que coincidir exactamente.
[...]
Ao fim de um ano e alguns meses de liberalização do mercado dos combustíveis, os consumidores sentem-se frustrados, não só porque apanharam um pico dos preços do petróleo, mas também porque constatam que o diferencial de preços face à União Europeia se agravou. O que está a correr mal?
Há aqui vários aspectos que estão a ser trabalhados pela Autoridade, e devemos ter notícias dentro em breve.
A AdC fez a recomendação de abertura de postos de gasolina nos supermercados, que foi acolhida, e sabemos que há estabelecimentos que vão avançar com a medida. No entanto, é evidente que o mercado começa com um monopólio da refinação da própria Galp, que tem praticamente 90 por cento da oferta de combustível. Depois, há um número reduzido de empresas neste mercado, pelo que à partida não é muito concorrencial.
É preciso recolher evidência concreta de que, de facto, há colusão entre petrolíferas, que já foram várias vezes acusadas de o fazer, para haver condenação em tribunal.
O 'lobby' dos revendedores, contrário à abertura dos postos de gasolina nos supermercados, alerta para uma série de normas de segurança que parecem razoáveis. A opinião pública ficou sem saber se a medida foi, então, uma cedência ao 'lobby' dos supermercados.
Em Espanha, a quem fizer um supermercado, é requerida a instalação de um posto de combustível, para incentivar essa concorrência.
E a segurança?
Essas questões estão acauteladas. Por exemplo, o novo diploma diz que os bombeiros têm de dar um parecer sobre a localização.
Mas ao abdicarmos de critérios objectivos não estaremos a abrir a porta a outro tipo de distorção da concorrência?
Os critérios estabelecidos são compatíveis com essas preocupações. Não são diferentes das que existem em outros países europeus."

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