marți, iulie 12, 2005

Contrato de Locação Financeira / Contrato de Seguro - Supremo Tribunal de Justiça (PT)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 05A1481
Relator: Fernandes Magalhães
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA - CONTRATO DE SEGURO - INDEMNIZAÇÃO - CLÁUSULA - NULIDADE - CONTRATO - BOA-FÉ

"A", Sociedade de Locação Financeira Mobiliária, S.A. intentou acção ordinária contra B pedindo a condenação deste a devolver-lhe o equipamento locado e a pagar-lhe 688.049$00 como indemnização por perdas e danos, e todos os valores que se viessem a vencer até efectiva restituição do mesmo, juros de mora, sem prejuízo de condenação em sanção pecuniária compulsória (art.º 829º-A n.º 4 C.C.), e ainda no montante das despesas que efectuar com a cobrança do seu crédito, a liquidar em execução de sentença.

O processo seguiu seus termos com contestação do Réu, e, após audiência de julgamento, foi proferida sentença a condenar o R. a devolver à Autora o equipamento locado, a pagar-lhe a quantia correspondente à indemnização por atraso na entrega do mesmo, isto é, uma prestação adicional igual à última renda vencida (688.049$00), juros à taxa de 17% desde 6/11/93 (5 dias após a resolução do contrato) e uma indemnização por perdas e danos no montante de 711.849$00 (20% da soma das rendas vencidas com o valor residual) e juros de mora à taxa de 17% desde 30/10/93.

Apelou o Réu de tal decisão sem êxito pelo que recorre agora de revista.
Formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
A sentença de primeira instância e o acórdão recorrido violam a norma do artigo 11°, n.º 2 das condições particulares do contrato de locação financeira celebrado entre as partes.
Ora, de tal artigo resulta a imposição de uma obrigação acessória do contrato principal, a saber o dever de contratar. Ou seja, de subscrever uma apólice de seguro que cubra os danos próprios do equipamento locado.
Dever de contratar impende, de acordo com o espírito contrato e a letra da referida norma, sobre a entidade adora e não sobre o locatário, ora recorrente, que nas se obrigou a subscrever tal contrato de seguro.
O que é reforçado pelo facto da dita apólice de seguro configurar a existência de um verdadeiro contrato de ad são conforme referido.
Danos decorrentes da violação dessa obrigação de tratar (ao não ser efectuada apólice de seguro forme se estabelecia em tal contrato) terão de ser suportados por quem impendia tal obrigação.
Ao condenar o locatário aos pagamentos de indemnização por perdas e danos resultante do sinistro que deveria estar coberto pela apólice referida o tribunal violou as referidas normas do contrato de locação.
A cláusula indemnizatória prevista no artigo 16°, n° 3 é nula, por ofender os artigos 12° e 19° c) do D.L. N° 446/85, de 25 de Outubro.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto provada:
1. Autora e réu são ambos comerciantes, tendo a autora como objecto a actividade de locação financeira mobiliária, nos termos do DL 171/79, de 6/6 e do DL 103/86, de 19/5;
2. No exercício das respectivas actividades mercantes, autora e ré, em 16/09/91, celebraram entre si o contrato de locação financeira mobiliária n.° 910095, vertido nos documentos de fls. 8 a 21, conforme cláusulas 1 a 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Assim:
- nos termos da cláusula 16.ª, o contrato poderá ser resolvido por iniciativa do locador, sem qualquer outra formalidade, 8 dias após a comunicação ao locatário por carta registada e com aviso de recepção, nos casos de o locatário não cumprir qualquer das obrigações emergentes das condições gerais ou particulares deste contrato, nomeadamente falta de pagamento de qualquer das rendas (n.° 1); em qualquer dos casos de resolução referidos no n.° 1, o locatário fica obrigado a:
a) restituir o equipamento ao locador em lugar indicado por este, correndo os encargos e riscos da operação de restituição, incluindo seguro, por conta do locatário;
b) pagar as rendas vencidas e não pagas e todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução;
c) pagar, a título de perdas e danos sofridos pelo locador, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual;
d) pagar juros de mora á taxa nominal do contrato, eventualmente indexada, nos termos do n.° 1 do art. 13.°, sobre os montantes referidos na alínea b) desde o vencimento das rendas e na alínea c) desde a resolução do contrato, em ambos os casos até à data do seu pagamento efectivo (n.° 3); e
- nos termos da cláusula 15, n.° 1, c), no termo do contrato, o locatário pode, mediante comunicação escrita, enviada ao locador 3 meses antes do seu termo, optar por devolver, imediatamente, por sua conta e risco, nas modalidades indicadas pelo locador, o equipamento como todos os acessórios, componentes, acréscimos efectuados pelo locatário, em bom estado de conservação e manutenção, sem desgaste superior correspondente à sua própria utilização, e com todos os documentos que o devam acompanhar. A restituição deverá ter lugar nos cinco dias seguintes ao termo do contrato, passados os quais o locatário deverá pagar ao locador uma prestação adicional igual à última renda vencida e salvo a obrigação de indemnizar o maior dano, sem prejuízo da faculdade que ao locador assiste de reivindicar a entrega do equipamento. Até à efectiva entrega do equipamento o locatário será o único responsável por todos danos ao ou pelo equipamento;
3. Nos termos do contrato, a autora deu em locação ao réu o semi-reboque de que é dona e legítima possuidora, marca Fruehauf, matrícula L-1109020, no valor global de 6.961.500$00 (34.723,82 €), conforme resulta das condições particulares do contrato de fls. 19 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo o valor residual de 119.000$00 (593,57 €);
4. Em contrapartida, obrigou-se o réu a pagar à autora doze prestações iguais e sucessivas no valor, sem IVA, de 688.045$00 (3.431,95 €) cada, com vencimento trimestral, a começar em 16.09.91 e o valor residual de 119.000$00 (593.57 €), conforme resulta das condições particulares do aludido contrato, de fls. 19 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5. Pagamentos esses que ficaram de ser efectuados através de transferência bancária a favor da autora por débito da conta do réu com o n.° .... do Banco de Comércio e Indústria, Agência de Oliveira de Azeméis;
6. O réu não pagou as rendas vencidas em 16/06/93 e 16/10/93;
7. Em 19/10/93, a autora enviou ao réu a carta junta aos autos - doc. 3 (fls. 22 e 23) - na qual lhe comunicava que devia proceder ao pagamento daquelas rendas e juros de mora, no montante de 1.627.580$00 (8.118,33 €), no prazo de oito dias, sob pena de, não o fazendo, se considerar como definitivamente incumprido o contrato em causa;
8. Mais comunicava a autora ao réu que, caso não fosse efectuado tal pagamento, o contrato ficaria resolvido com efeitos a partir do dia seguinte ao termo daquele prazo e que deveria restituir o equipamento locado nos cinco dias subsequentes;
9. Não obstante ter recebido a conta, o réu não procedeu ao pagamento das rendas e respectivos juros, naquele prazo ou posteriormente;
10. Na sequência da carta de 19/10/93, o réu não fez a entrega do equipamento;
11. O equipamento, desde Fevereiro de 93 até Maio de 97, esteve sem o réu lhe dar qualquer uso;
12. Foi o réu que se obrigou a segurar os bens locados, através de apólice que no mínimo os cobrisse contra os riscos fixados nas condições particulares, conforme cláusula 3.ª do documento de fls. 19 a 21, que se dá por integralmente reproduzido, e que diz:
- para efeitos do mencionado artigo 11.° das condições gerais do contrato de locação financeira, o equipamento locado encontra-se seguro com as seguintes coberturas: automóveis: danos próprios: choque, colisão e capotamento, roubo e quebra isolada de vidros;
responsabilidade civil: pagamento de indemnizações pelos prejuízos causados a terceiros em virtude de utilização do veículo locado;
capitais a segurar: danos próprios: 5.950.000$00;
responsabilidade civil: ilimitada;
13. A cláusula 11.ª das condições gerais do contrato de locação celebrado entre autora e ré, constante do documento de fls. 8 a 18, diz que:
- a partir do momento em que cessa a responsabilidade do fornecedor e o mais tardar a partir da data da entrega do equipamento e até à data do termo da locação e mesmo após esta, enquanto o equipamento se mantiver em seu poder, o locatário, na sua qualidade de fruidor e defensor da integridade do equipamento locado, é o único responsável pelo seu perecimento ou deterioração e pelos prejuízos causados pelo equipamento, qualquer que seja a sua causa. Se, apesar do disposto na lei e no contrato, o locador for chamado a indemnizar terceiros por qualquer dano emergente da utilização do equipamento, gozará de direito de regresso contra o locatário por todas as quantias despendidas - (n.° 1);
- o locatário, obriga-se em consequência a subscrever junto de uma companhia de seguros que mereça o acordo do locador, apólices de seguro que cubram, por um lado os danos do equipamento locado e por outro a sua responsabilidade civil perante terceiros, de conformidade com os riscos e capitais mencionados no art. 3.° das condições particulares - (n.° 2);
- as apólices devem mencionar expressamente que:
a) o equipamento é propriedade exclusiva do locador;
b) em caso de sinistro, a indemnização deverá ser paga directamente pela seguradora ao locador;
c) a seguradora renuncia a qualquer acção contra o locador;
d) a apólice não poderá ser alterada ou anulada sem o prévio acordo do locador - (n.° 3);
- o locatário obriga-se a entregar ao locador, antes do início do contrato, uma declaração comprovativa de que o seguro foi efectuado nas condições mencionadas nos artigo anteriores. No prazo de 10 dias após a entrega do equipamento, o locatário deverá igualmente entregar ao locador uma cópia da apólice, do recibo e dos respectivos adicionais - (n.° 4);
- o locatário obriga-se a manter em vigor as apólices durante todo o prazo do contrato de locação, a pagar os prémios e comprovar estas liquidações sempre que o locador o exija - (n.° 5);
14. O réu subscreveu, junto da Companhia de Seguros C, a apólice n.° 91059300, nos termos do art. 11.° das condições gerias do contrato de locação, com o acordo da autora, conforme documento de fls. 8 a 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
IV - As questões que, face ao quadro conclusivo da alegação do apelante, se suscitam, no presente recurso, resumem em saber:
- se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, nos ermos do art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C.;
- se, por força do disposto no art. 11 °, n.° 2, das condições gerais do contrato, se deve entender que era sobre o locador que recaía o ónus de celebrar o contrato de seguro e respectivas cláusulas; e
- se a cláusula indemnizatória prevista no art. 16.°, n.° 3, das condições gerais do contrato em apreço, é de considerar nula por ofender os arts. 12.° e 19.°, c), do Dec.-Lei n.° 6/85, de 25/10.»
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, começaremos por dizer que ele carece de razão.
Com efeito, desde logo se tem de salientar que não é exacta a afirmação do Réu no sentido de competir à Autora o ónus de celebrar o contrato de seguro em causa, e as respectivas cláusulas.
Na verdade, foi o Réu quem se obrigou a segurar o bem locado tendo para tanto subscrito, junto da Companhia de Seguros C, a apólice n.º 91059300, nos termos da cláusula 11 das condições gerais do contrato de locação financeira que celebrou com a Autora e de acordo com esta.
Assim, se conclui de já enunciada matéria de facto provada, o que significa, além do mais, que não se vislumbra qualquer responsabilidade da locadora quanto a eventuais lacunas de apólice de seguro e eventuais danos resultantes do sinistro que deveria estar coberto pela supra referida apólice.
Acrescenta o recorrente que a cláusula indemnizatória prevista no art.º 16 n.º 3 das condições gerais do dito contrato é nula por ofender os art.ºs 12º e 19 c) do D.L. 446/85 de 25/10.
Também aqui falha razão ao recorrente.
Como se destaca no Acórdão deste S.T.J. de 15/6/2000 (Revista 1752/00, 7ª Secção), ao decidir um caso idêntico, não há razões para considerar abusiva ou leonina o adicional de 20% sobre o somatório das rendas vencidas com valor o residual.
Tal cláusula penal não é desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, não se alegando e provando, aliás, factos que revelem qualquer relevante desproporção.
Como nota final o dizer-se que a boa fé contratual é o procedimento leal e correcto para com a outra parte, designadamente no cumprimento de obrigações (art.º 762º C. Civil), e em que se deve atender não só à confiança das partes no sentido global das cláusulas que estabelecem processo de formação do contrato, seu teor e outros elementos atendíveis, como também ao objectivo que as partes visam atingir negocialmente à luz do tipo de contrato utilizado, o que tudo se traduz pela tutela da confiança e pela tutela da confiança e pela materialidade subjacente à questão em luta contra um estrito formalismo (v. Prof. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2º vol., pág. 1234 e 1252).
Por tudo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, improcedem todas as conclusões das alegações do recorrente, sendo de manter o decidido no acórdão recorrido, que não violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os referidos pelo recorrente.
Decisão:
1- Nega-se a revista.
2- Condena-se o recorrente nas custas.

Lisboa, 7 de Junho de 2005
Fernandes Magalhães /Azevedo Ramos /Silva Salazar

Niciun comentariu: