Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA - GRUPO DE SOCIEDADES - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - RESPONSABILIDADE OBJECTIVA - CONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
"A", Empresa Portuguesa de Borrachas, Ldª, instaurou acção ordinária contra "B", SA, e "C", SA, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de 39.752.007$00 e juros de mora até efectivo pagamento.
O processo seguiu seus termos com contestação das Rés vindo após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente condenando as RR. a pagarem solidariamente à A. 3.459,89 € com juros de mora desde a citação até integral pagamento, 116.746,15€, abatidos de 1.324,33€, e juros de mora desde 19/10/96 até integral pagamento sobre a quantia de 99.984,56, e ainda no pagamento de uma outra quantia a liquidar em execução de sentença.
Inconformados com tal decisão dela recorreram as Rés tendo as suas apelações sido julgadas improcedentes, e tendo também sido negado provimento ao agravo do despacho saneador interposto pela 1ª Ré.
Recorrem agora de revista a Ré "B", S.A. e ...anteriormente denominado "C", S.A.).
Corridos os vistos cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto que o Tribunal da Relação considerou provada:
1- A sociedade "B", SA, que girou sob a designação de D - Manufactura Nacional de Borracha, SA, , até 1994, procedeu, em 9/10/91, à constituição de uma sociedade comercial anónima denominada "E", SA, mediante escritura pública nesse dia lavrada no 1º Cartório Notarial do Porto.
2- O capital social inicial da dita "E", SA, era de 5.000 contos e foi integralmente subscrito pela ré "B", SA.
3- No dia 16/3/1992, por escritura pública lavrada no 1º Cartório Notarial do Porto, a sociedade "B", SA, subscreveu e realizou integralmente um aumento de capital na "E", SA, o qual passou de 5.000 contos para 100.000 contos, sendo que este aumento de capital não foi realizado em dinheiro, mas sim mediante entradas em espécie que, em face da avaliação elaborada por um revisor oficial de contas, excediam em 326.961.818$90 o aumento do capital nesse acto subscrito e por ela realizado no montante de 95.000.000$00, ficando este valor de ser pago em sete anos, contados a partir de 16/3/1995, acrescido de juros à taxa anual de 12%.
4- Desde o dia da constituição da "E", SA, até, pelo menos, ao dia 29/10/1994, a sociedade "B", SA, manteve-se na titularidade da totalidade das acções representativas do capital social da "E", SA.
5- Entre o dia 29/10/1994 e o dia 31/12/1994, a sociedade "B", SA, vendeu à sociedade "C", SA, a totalidade das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade "E", SA, e passou a deter a totalidade do capital social da sociedade "C", SA.
6- Entre o dia 25/10/94 e o dia 12/5/1995, a autora vendeu e entregou à sociedade "E", SA, vários artigos e mercadorias.
7- Em 4/7/1996, a autora remeteu à ré "B", SA, a carta que consta de fls. 165, pedindo a liquidação, em oito dias, da quantia de 73.356.123$00 mais juros.
8- A ré "C", S.A., deteve a totalidade do capital social da sociedade "E", S.A., até 12 de Maio de 1995, data em que essa ré vendeu a terceiros a totalidade das acções representativas do capital social da sociedade "E", S.A..
9- Já depois da propositura da presente acção e por conta dos fornecimentos efectuados pela autora à sociedade "E", S.A. e a que se reportam as facturas de fls. 80 e 84 a 102, a autora recebeu desta sociedade pelo menos, a quantia de 1.894.039$00.
10- Do preço da mercadoria identificada na factura de fls. 61, de 25/10/94, vendida pela autora à sociedade "E", SA, esta pagou a quantia de 854.097$00, em 25/1/1995.
11- A diferença de 885.172$00 veio a ser paga em 22/5/95.
12- O valor das mercadorias vendidas pela autora à sociedade "E", SA, identificadas nas facturas de fls. 62 a 67, veio a ser pago em 22/5/95.
13- Tais facturas datam, respectivamente, de 3/11/94, de 9/11/94, de 15/11/94, de 17/11/94, de 22/11/94 e de 30/11/94.
14- Do preço das mercadorias vendidas pela autora à sociedade "E", SA, mencionadas na factura de fls. 68, datada de 30/11/94, esta pagou 446.563$00.
15- A diferença de 2.195.802$00 veio a ser paga em 14/6/95.
16- O valor das facturas de fls. 69 e 70, datadas de 6/12/94 e de 14/12/94, respectivamente, veio a ser pago em 14/6/95.
17- O preço das mercadorias vendidas pela autora à sociedade "E", SA, de 3.432.277$00, referente às facturas nº 1191 e 1207, datadas de 15/12/94 e de 20/12/94, respectivamente, foi pago em 4/7/1995.
18- Do preço da mercadoria vendida pela autora à sociedade "E", SA, referente à factura nº 228, datada de 6/3/95, no valor de 1.637.591$00, foram pagos 217.232$00 em 30/6/95, 655.679$00 em 29/8/95, tendo o remanescente sido pago em 30/9/95.
19- As mercadorias vendidas pela autora à sociedade "E", SA, identificadas nas facturas de fls. 74 a 79, datadas de 8/3/95, de 15/3/95, de 8/3/95, de 9/3/95, de 10/3/95 e de 21/3/95, foram pagas em 29/8/1995.
20- Do preço das mercadorias vendidas pela autora à sociedade "E", SA, mencionadas na factura de fls. 82, datada de 15/03/95, foram pagos 1.400.729$00, em 15/6/95.
21- Da diferença, no valor de 838.827$00, foram pagos 801.592$00, em 20/9/95.
22- Por conta da factura referida no ponto 20 supra foram pagas apenas as quantias referidas nos pontos 20 e 21 supra.
23- O preço das mercadorias referidas nas facturas de fls. 81 e 83, datadas de 10/1/95 e de 22/3/95, respectivamente, foi pago em 20/9/95.
24- O remanescente referido no ponto 18 supra e parte do preço da mercadoria vendida pela autora à sociedade "E", SA, e a que respeitam as facturas de fls. 84 a 102, foram pagos em 30/9/95, pela entrega de 6.250.000$00, efectuada nas seguintes datas: em 30/11/95, 625.000$00; em 30/12/95, 2.250.000$00; em 30/1/96, 625.000$00; em 29/2/96, 762.500$00; em 30/3/96, 481.250$00; em 29/4/96, 343.126$00; em 30/4/96, 281.350$00; em 29/5/96, 343.126$00; em 30/5/96, 216.563$00; em 29/6/96, 154.408$00; em 30/6/96, 343.126$00; em 29/7/96, 349.315$00; em 30/7/96, 126.563$00; em 29/8/96, 252.873$00; em 30/8/96, 349.315$00; em 29/9/96, 113.337$00; em 30/9/96, 105.681$00;
25- Os preços dos fornecimentos da autora à sociedade "E", SA, documentados pelas facturas de fls. 103 a 113, no total de 19.983.602$00, não foram pagos.
26- A factura de fls. 77 continha um erro na descrição e no preço de parte da mercadoria vendida e a autora procedeu à sua correcção, emitindo uma nota de crédito a favor da compradora no valor de 173.703$00, em 10/3/1995;
27- Como parte da mercadoria vendida, descrita na factura de fls. 90, se encontrava imprópria para utilização, a autora procedeu à correcção dessa dita factura emitindo uma nota de crédito a favor da sociedade "E", SA, pelo valor de 598.683$00, datada de 13/2/1995;
28- As condições de pagamento acordadas entre a autora e a sociedade "E", SA, eram de 90 dias a contar da data de emissão de cada factura;
29- Para além da quantia referida no ponto 9 supra e por conta dos fornecimentos aí referidos, a sociedade "E", SA, pagou à autora a quantia de 196.820$00 já depois da propositura da acção.
I- Recurso da Ré Capital "B", S.A..
Formula ela nas suas alegações as seguintes conclusões:
1ª - A natureza da obrigação da sociedade dominante, prevista no artigo 501-1-2, do C.S. C., é de natureza subsidiária, gozando do benefício de excussão prévia em relação às sociedades dominadas, pelo que os "tribunais a quo", violaram por erro de interpretação aqueles normativos e o artº 9º-1-3, do C. Civil;
2ª - A aceitar-se que existe responsabilidade solidária, directa e ilimitada da sociedade dominante, tal responsabilidade só existe como excepção e em determinados casos específicos, sendo necessário provar que a recorrente teve culpa ou influência na existência dos débitos, pelo que foram violados os artigos 438-2, do C. Civil e o artº 501, do C.S. Comerciais;
3ª - Uma vez que só a aqui recorrente "B", SA. foi interpelada pela recorrida (04-07-1996) para proceder ao pagamento da quantia peticionada, e após a data dada como provada do terminus da relação de grupo (12/05/1995), foram violados os artigos 501-2, do C: S.C. e o artigo 13, da C.R.P., que exigem que primeiramente se interpele a sociedade dominante directa (mãe) e posteriormente a indirecta (avó), interpelações essas que têm que ser efectuadas antes do terminus da relação de grupo, pelo que foram violados aqueles preceitos legais;
4ª - A existir responsabilidade da sociedade dominante nos termos do artigo 501-1, do C.S.C., a determinabilidade da sua obrigação tem que tem que ocorrer no início da constituição da relação de grupo, e não no seu fim, por forma a que se possam conhecer desde logo os débitos que se garantem, sob pena violar e de se esvaziar o conteúdo dos artigos 280-1-2 - e 400, do C. Civil;
5ª - Estando provado que a Sociedade "E", SA., foi declarada falida, cessou a relação de grupo da na data de declaração da sua falência, pelo que foi violado o artigo 506-2, do C. S. Comerciais.
6ª - Considerando-se o dia 12/05/1995, como a data do terminus da relação de grupo, não é a recorrente responsável pelos débitos existentes àquela data porquanto existiu uma transmissão da totalidade das acções a um terceiro, pelo que foram violados por erro de interpretação os artigos 405 e 874, do C. Civil;
7ª - Como não foi alegado nem dado como provado que a recorrente tivesse tido culpa ou influência na existência dos débitos, foram violados os artigos 483-1, do C. Civil e o artº 501-1, do C.S.C.;
8ª - Ao considerar-se que a responsabilidade da recorrente é toda, devia-se ter considerado que a recorrente também se pode fazer valer de todos os meios de defesa das sociedades subordinadas, sob pena de violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e defesa, consagrados, respectivamente, nos artigos 13º, 18-2 e 20º, da C.R.P., pelo que à decisão recorrida foi aplicado erradamente o artº 514, do C. Civil;
9ª - Com base na matéria de facto dada com provada, não se podia considerar que entre o dia 29 e Outubro de 1994 e 30 de Dezembro de 1994, existisse uma relação de domínio total entre a recorrente, a recorrida e a co-ré "C", SA., pelo que foram violados os artigos 488º e 501º, do C.S.C..
10ª - Resulta da perícia colegial efectuada que existiu uma "datio pro solvendo", factos esses que não foram tidos em conta na decisão recorrida, pelo que foram violados os artigos 388º e 389º, do C. Civil e os artºs 515 e 568, do C.P. Civil;
11ª - A obrigação de juros, depois de constituída, é uma obrigação autónoma (princípio da autonomia de juros), pelo que está sujeira ao regime geral das obrigações, designadamente quanto à culpa do devedor, culpa esta da recorrente que não consta da matéria de facto dada como provada, pelo que foram violados os artigos 561º e 806º, do C. Civil;
12º - Como não se sabe a data do envio da recepção envio das respectivas facturas, não podia decisão recorrida considerar que a recorrente entrou em mora 120 dias após a data constante das facturas, pelo que foi violado o artigo 501-2, do C.S. Comerciais;
13º- A existir mora da recorrente, a mesma só existe em 04/07/1996, data em que foi interpelada para proceder ao pagamento.
Delimitado como está o objecto deste recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, começaremos por dizer que ela carece de razão.
Na verdade, há que considerar que a natureza da sua obrigação como sociedade dominante não é a apontada pela recorrente.
Estamos, isso sim, em face de uma responsabilidade directa e ilimitada (dado que a sociedade mãe responde pessoal e imediatamente perante os credores da sociedade filha) e não de uma responsabilidade indirecta (obtida à custa de outros acervos patrimoniais).
Tendo aquela também natureza legal, decorrente de uma norma prevista na lei societária, e não da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade filha, que permite na falta de norma legal expressa a imputação de dado efeito jurídico para além da própria pessoa colectiva a que ele formalmente respeita (v. A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comercial, Pedro Cordeiro, AAFDL, 1989).
Além disso é objectiva esta responsabilidade estabelecida no art.º 501º C.S.C. (assente na redistribuição do risco da exploração empresarial no seio de grupos societários), respondendo a sociedade dominante pelas dívidas da sociedade dependente independentemente da culpa que tenha no não cumprimento - cfr. art.º 84º C.S.C. .
Também aqui não é de aceitar a tese do recorrente no sentido de que a decisão recorrida violou o preceituado nos art.ºs 483º n.º 2 C. Civil e 501º C.S.C. .
Por último, a responsabilidade em causa é solidária, apesar de o legislador o não ter dito expressamente (é esse o entendimento comum dessa solidariedade "sui generis", que faz com que pelo cumprimento unitário e integral das obrigações contraídas pela sociedade filha responde esta e a sociedade mãe, com a particularidade relativa ao momento da sua exigibilidade à última, 30 dias sobre a constituição em mora daquela - v. art.º 501º n.º 1 e 2 C.S.C.).
Posto isto se acrescentará que face ao constante do processo, "maxime" nos articulados e na prova produzidas é fora de dúvida que a data da cessação da relação de domínio é a de 12 de Maio de 1995 (e não a de 13/4/95), como, aliás, bem o demonstra a recorrida nas suas contra-alegações.
E isto tem particular interesse já que, o legislador ofereceu aos credores uma protecção suplementar consistente na responsabilidade da sociedade dominante (que acabamos de caracterizar) por todas as dívidas constituídas antes da celebração e durante a vigência da relação de domínio e até ao termo do contrato de subordinação (v. Prof. José Engrácio Antunes, Os Grupos de Sociedades pág. 663, a que se faz referência no acórdão recorrido).
A sociedade totalmente dominante responde pelas obrigações da sociedade dependente constituídas até à cessação de relação de domínio total, mesmo que o seu cumprimento lhe seja exigido, judicial ou extra-judicialmente, após a cessação dessa relação.
A responsabilidade de tal sociedade é automática e surge, relativamente às obrigações da sociedade dependente anteriormente constituídas, a partir do momento em que ela adquire o domínio total da sociedade dependente, ou a partir do momento da constituição das obrigações desta, relativamente às constituídas na vigência de tal relação.
E não há necessidade, para que lhe seja exigível o seu cumprimento, de ser interpelada extra-judicialmente para cumprir as obrigações da sociedade dependente.
É evidente que quando falamos de sociedade dominante estamos a considerar o domínio total, dado que há sociedades que não tem tal domínio e, quanto a estas, não se colocam questões do género das que foram colocadas no caso presente.
E a responsabilidade de tal natureza da Ré recorrente não é afastada pelo facto de ter existido uma transmissão da totalidade das acções a um terceiro.
Alega aquela que com tal entendimento se violou o preceituado nos art.ºs 405 e 874º C. Civil.
Mas sem qualquer fundamento válido.
Na verdade, ela tem de cuidar em tal situação de assegurar o pagamento das dívidas da sociedade dependente, não podendo, assim, vender a terceiro o capital da sociedade dependente sem cuidar do passivo existente.
Sabe-se, aliás, que a sociedade mãe responde por todo o passivo social das filiais independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo intersocietário: aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo, no dizer de vários autores, independente da respectiva fonte (Rechsgrund) ou conteúdo (Inhalt).
A responsabilidade consagrada no art.º 501º n.º 1 C.S.C. não se extingue pela cessação da relação de grupo.
De igual modo não é de aceitar a alegação do recorrente de que estando provada que a Sociedade E, S.A. foi declarada falida cessou a relação de grupo na data de declaração da sua falência, pelo que foi violado o art.º 506º n.º 2 C.S.C..
A este propósito se dirá que é correcto, isso sim, o entendimento de que o decorrer de processo de falência em nada obsta ou impede a demanda das Rés pela Autora (v. art.º 519º n.º 1 C. Civil).
Relevante seria tão só, e não está demonstrado, que a Autora tivesse conseguido o pagamento de alguns dos seus créditos em tal processo.
Por outro lado, torna-se evidente, em face de tudo o que já deixamos assinalado, que não há por parte da Ré recorrente qualquer relevante meio de defesa nos termos previstos no art.º 514º C. Civil.
Há uma relação de domínio total no caso "sub judice", com as já apontadas consequências em sede de responsabilidade pelas dívidas da sociedade dependente, pelo que não é de aceitar a alegação da Ré de que assim se decidindo se está a violar o disposto nos art.ºs 488º e 501º C.S.C..
No que concerne à questão da existência ou não de uma "datio pro solvendo" também carece de razão a recorrente ao pugnar pela sua existência e ao afirmar que ao ser dada a mesma como não provada se violou o disposto nos art.ºs 388 e 389º C. Civil e 568º C.P. Civ..
Na realidade à alegada emissão das letras em causa e suas reformas não correspondeu uma prova suficiente para se tirar o efeito que a recorrente pretende.
Não colhe, assim, aliás a referência que faz art.º 514º C.P.C., e, por outro lado, como se sabe nos termos do art.º 389º C. Civil a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, nada havendo no caso presente que possa constituir violação do art.º 568º C.P.C. e muito menos que possa ser sindicado por esta Supremo Tribunal.
No respeitante à obrigação de juros decorre da natureza da relação de subordinação e do regime jurídico da responsabilidade prevista no art.º 501º C.S.C. que se está em presença de uma responsabilidade de natureza objectiva, assente, num sistema de imputação automática do risco da exploração empresarial no âmbito dos grupos societários.
Deste modo, é irrelevante o apelo que a recorrente faz à culpa do devedor na sua posição jurídica, e à violação do disposto nos art.ºs 561º e 806 C. Civil.
A determinação do momento de constituição em mora das sociedades-filhas é realizada através das regras gerais da lei civil e comercial (art.º 804º e seg.tes C. Civil).
Ora constituindo as dívidas da E obrigações de prazo certo a "mora debendi" conta-se, independentemente da interpelação a partir da data do vencimento dessas mesmas dívidas.
E a obrigação da sociedade filha e respectiva "mora debendi" representam pressupostos constitutivos da responsabilidade solidária da sociedade, de tal modo que, verificadas aquelas e transcorrido o prazo temporal previsto na lei (art.º 501º n.º 2 C.S.C.) a sociedade mãe CAPITAL PLUS constitui-se co-devedora solidária daquela mesma obrigação incumprida, subentrando na exacta posição jurídica desta decorrente, para o bem e para o mal ...
De todo, pois, injustificável a posição da recorrente no sentido de que o momento da contagem dos juros moratórios é o da interpelação admonitória da sociedade mãe.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações improcedem as conclusões das alegações desta Ré recorrente.
II - Recurso da Ré Espaço Urbano
Formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
A) Das nove questões postas à apreciação do Tribunal da Relação, duas - aquelas a que se reportam as conclusões UU a YY e MMM a PPP - não foram objecto de análise e de decisão. Nessa parte a decisão é nula, de acordo com o disposto na al. d) do nº1 do artigo 668º do CPC, ex vi do disposto no Artigo 716º nº1 do mesmo Código.
B) Há dois momentos para proceder à fixação da factualidade assente: A condensação do processo e o Acórdão sobre a matéria de facto. Não se prevê que na pendência do julgamento sejam aditados pontos à Especificação.
C) Por seu turno, quer o princípio da aquisição processual, quer a evidência de a fixação da matéria assente em sede de saneador não formar caso julgado, levam à inequívoca conclusão de que tal fixação na fase de condensação não é imutável.
D) Porém, ao fazer uso dos factos cujo conhecimento foi adquirido na pendência do processo, o Tribunal tem de atender a as RR. não todos os factos ou elementos de factos dessa forma adquiridos.
E) Se é certo que contestaram que a relação de domínio houvesse terminado em 12.05.1995 e tal facto não foi levado à especificação, igualmente é certo que aos autos foram juntos elementos dos quais decorrer que o termo de tal relação ocorreu em 13.04.1995.
F) O Tribunal não podia assim dar por assente a mais recente das datas, sem que prova alguma sobre isso tenha sido produzida. Ao agir nos termos em que o fez o Tribunal a quo violou o disposto nos Artigos 264º, 650º nº2 f) e 659º nº3 do CPC.
G) Tal ponto assume enorme importância, porquanto parte das facturas cujo pagamento é peticionado foram emitidas entre 13.04.1995 e 12.05.1005.
H) A sentença recorrida interpretou indevidamente o art.º 501º, n.º 1 do CSC, quando entendeu que tal preceito legal estipula que a sociedade dominante é responsável pelas obrigações da dominada que tenham sido contraídas antes ou depois, desde que até ao termo da relação de domínio (independentemente de tal responsabilidade ser exigida durante ou após o termo desse mesmo domínio).
I) Ora, salvo melhor opinião, o art.º 501º, n.º 1 do CSC só pode querer dizer que a sociedade dominante é responsável por todas as dívidas da dominada (anteriores ou contemporâneas ao domínio), enquanto exercer o domínio sobre esta.
J) O direito conferido ao credor pelo nº1 do Artigo 501 do CSC tem por razão de ser a constatação de que na pendência da relação de domínio, a sociedade dominante tem o poder de conduzir os destinos da sociedade dominada.
K) Mais do que isso, na pendência dessa relação, tem a sociedade dominante a possibilidade de determinar comportamentos à sociedade dominada, como seja o pagamento de dívidas.
L) Porém, dessa ratio legis já não resulta a constatação de qualquer dever da sociedade dominante de saber, com rigor e a qualquer momento, o que se passa com a sociedade dominada.
M) Assim, a responsabilização da sociedade dominante só poderá ocorrer se e na medida em que a mesma for chamada a solucionar a questão num momento em que ainda tenha o poder de determinar a conduta da sociedade dominada: Ou seja, a sociedade dominante tem de ser interpelada para cumprir na pendência da relação de domínio.
N) O accionamento do dispositivo de protecção concedido pelo Artigo 501º do CSC assume natureza potestativa. Quer isto dizer que cabe em primeiro lugar ao credor proceder ao seu accionamento, sendo que terá de o fazem em momento em que se encontrem preenchidos os requisitos previstos na lei: Na pendência da relação de domínio.
O) Acresce que a referida norma legal coloca em confronto, por um lado, os interesses dos credores da sociedade dominada em ser ressarcida das suas dívidas e, no pólo oposto, os interesses da sociedade dominante em não ser privada de bens licitamente adquiridos. Ora, não se pode (como a sentença recorrida fez) tomar partido exclusivo pelos interesses da A., sob pena de violar o princípio da proporcionalidade na aplicação da lei restritiva (art.º 18º, n.º 2 da CRP).
P) Por respeito à vertente da proporcionalidade "stricto sensu" (ou justa medida) daquele princípio, a sociedade dominante só pode ser responsabilizada desde que as dívidas da dominada tenham sido contraídas no decurso da relação de domínio.
Q) E mesmo quanto a estas, não basta que a dominante goze do direito legal a dirigir instruções vinculativas à dominada, sendo antes necessária a prova acrescida de que, em termos fácticos, esta tinha conhecimento e possibilidade de fazer cumprir as dívidas para com terceiros.
R) É que, após o termo da relação de domínio, a sociedade dominante deixa de estar apta a conhecer e controlar as dívidas da demandada.
S) Não foram alegados (nem muito menos provados) factos susceptíveis de demonstrar a existência de culpa ou negligência da Apelada na produção dos danos à Apelante ou susceptíveis de demonstrar a verificação de um nexo de imputação entre a conduta da Apelante e os referidos danos.
T) Nomeadamente, não foi dado como provado que: (i) a Apelante tivesse tido conhecimento da existência das dívidas enquanto exercia o domínio ou, pelo menos, que a falta de conhecimento não resultava de negligência sua; (ii) a Apelante tivesse tido conhecimento da persistência das dívidas após o termo da relação de domínio ou, pelo menos, que a falta de conhecimento não resultava de negligência sua; (iii) a Apelante tivesse tido meios para forçar a sociedade dominada ao pagamento das dívidas.
U) Era, portanto, à Apelada que cabia alegar e provar a culpa da Apelante, o que - manifestamente - não logrou fazer. Tal resulta da circunstância do art.º 483º, n.º 2 do Código Civil estabelecer que ninguém pode ser obrigado a indemnizar independentemente de culpa, a não ser que tal se encontre expressamente previsto.
V) Ora, o art.º 501º, n.º 1 do CSC não prevê (nem expressa, nem implicitamente) qualquer tipo de responsabilidade objectiva, pelo que a sentença recorrida se encontra viciada pela falta de prova dos requisitos da responsabilidade da Apelante.
W) A condenação da Apelante sem que tenha sido possível proferir sobre si um juízo de censurabilidade é evidentemente contrária ao princípio da culpa que encontra guarida constitucional no princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana (art.º 1º da CRP).
X) Foram assim violados os Artigos 12º nº2, 17º, 18º nº2 e 62º, nº1 da CRP, Artigo 501º do CSC, Artigos 9º nº3 e 483º nº2 do Código Civil (este último "a contrario") e Artigo 467º nº1 al. d) do CPC.
Y) Por outro lado, ainda que se entendesse (como fez a sentença recorrida) que o art.º 501º, n.º 1 do CSC não estipula directamente a extinção da obrigação de solver as dívidas da dominada após o termo do domínio, sempre seria de aplicar o regime geral de extinção das obrigações.
Z) Ora, a extinção de facto constitutivo de qualquer obrigação implica, necessariamente, a extinção da própria obrigação: No caso em apreço, a fonte da relação obrigacional entre a Apelante e a Apelada era precisamente a relação de domínio daquela sobre a sociedade dominada.
AA) Face ao termo desse mesmo domínio, deve-se entender-se, em conformidade, que a própria obrigação se extinguiu, por via da supressão de fonte: Uma vez mais as consequências desta constatação assumem enorme importância, já que a generalidade das facturas cujo pagamento é peticionado nos autos não se encontravam vencidas à data do termo da relação de domínio, ou seja, e quanto era a elas, era impossível às Rés prever o seu não pagamento.
BB) O Código das Sociedades Comerciais foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, sem que para tal estivesse habilitado por lei de autorização legislativa.
CC) O art.º 501º, n.º 1 do CSC estabelece uma restrição ao direito à propriedade privada da Apelante, no sentido de a forçar a privar-se de parte do seu património para assegurar o pagamento de dívidas de uma sociedade sobre a qual exerceu uma relação de domínio.
DD) O direito à propriedade privada goza de um carácter análogo aos direitos, liberdades e garantias: No caso do art.º 501º, n.º 1 do CSC, o direito à propriedade privada é restringido na sua vertente de direito a não ser privado de bens licitamente adquiridos.
EE) Para legislar sobre matéria de privação do direito de propriedade, o Governo careceria de lei de autorização legislativa, tal como previsto no art.º 165º, n.º 1 da CRP [então, art.º 168º, n.º 1, al. b)].
FF) Portanto, o Tribunal que proferiu a sentença ora recorrida deveria ter recusado a aplicação do art.º 501º, n.º 1 do CSC, julgando o pedido integralmente improcedente, por inconstitucionalidade orgânica do preceito legal, nos termos do art.º 204º da CRP.
GG) O Tribunal entendeu por bem condenar as Rés no pagamento do capital em dívida, acrescido de juros desde a data de vencimento de cada factura. Tal não é correcto.
HH) Para o caso dos autos rege o disposto no Artigo 805º do Código Civil, cujo nº1 faz depender a constituição em mora da interpelação para cumprir. A natureza da eventual obrigação da R. é de carácter legal - resultado de uma disposição legal - e não contratual.
II) A ter havido qualquer interpelação, a mesma ocorreu apenas em 04.07.1996 - al. g) da Especificação (Doc. de fls. 165).
JJ) Porém, logo em 18.07.1996 a R. escreveu à A. solicitando elementos sobre a natureza da dívida reclamada - fls. 166. Quando tais esclarecimentos foram solicitados, nenhuma relação tinha a R. com a E, pelo que não tinha como conhecer a origem ou natureza da dívida peticionada. Os esclarecimentos nunca foram prestados.
KK) Sendo assim, a primeira interpelação eficaz da R. para cumprir operou-se com a citação, ocorrida em 06.11.1996 (cfr. fls. 119 e 120). Ao concluir de forma diferente, o Tribunal recorrido ofendeu o disposto nos Artigos 804º e 805º do Código Civil.
LL) A acrescer, as Rés lograram demonstrar - conforme confissão da A. - que esta (a) descontou letras por conta dos créditos sobre a E e que recebeu desta as despesas de desconto; e que (b) obteve o reembolso do IVA incidente sobre as facturas emitidas.
MM) Em ambos os casos a A. viu minorado no seu dano, já que tendo recuperado parte o capital, ainda que durante um período transitório, não esteve dele privado (é esta privação que pretende ser compensada pelos juros de mora).
NN) Condenar as Rés no pagamento de juros de mora sobre estas quantias traduz assim um enriquecimento indevido. Aliás, o Artigo 804º do Código Civil impede a interpretação dada pelo Tribunal.
OO) Com efeito, este preceito tem como limite máximo da reparação o dano efectivamente sofridos pelo Credor. Ora se este encontra forma de minorar tais danos, o benefício assim obtido tem de ser levado em conta no calcula da indemnização. Ultrapassar tal barreira constitui abuso de direito.
PP) Nos termos do nº1 do Artigo 661º do CPC a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do peticionado.
QQ) A A. peticionou o pagamento da quantia de PTE 31.048.404$00 e 1.004.553$00 a título de capital e de PTE 7.690.070$00 a título de juros de mora (tudo num total de PTE 39.752.007$00).
RR) Por seu turno, o Tribunal veio a apurar que o capital em dívida era afinal PTE 35.697.963$00, concluindo por um crédito total de PTE 40.017.511$00.
SS) Porém, em vez de se resignar ao valor peticionado pela A., o Tribunal entendeu que o limite relevante para efeitos do nº1 do Artigo 691º do CPC era o do valor total do pedido, esquecendo porém que ao reformular valores de capital e de juros estava afinal a condenar em coisa diferente daquilo que havia sido peticionado. Violou assim o disposto no nº1 do Artigo 691º do CPC.
TT) Acrescente-se que a razão de tal discrepância é que o Tribunal, de sua própria iniciativa, resolveu aplicar o mecanismo previsto no Artigo 785º do Código Civil. Ora, o previsto nessa disposição corresponde a uma faculdade do credor (tanto mais que apenas traduz a aplicação de uma presunção ilidível), pelo que é lícito ao credor a ela renunciar, não podendo no Tribunal substitui-se nessa matéria às partes. Mais, correspondendo o disposto no nº1 do Artigo 785º ao efeito de uma presunção ilidível, para que o Tribunal a ele pudesse recorrer ex oficio necessário seria que dispusesse de elementos factuais sobre tal ponto. Ora, em ponto algum dos autos foi produzida qualquer prova a esse respeito. Violou também assim o Tribunal o disposto no nº1 do Artigo 785º do Código Civil.
UU) Por outro lado, a sentença recorrida (e sancionada pelo Acórdão ora em análise) levou a cabo uma apreciação incorrecta da prova, quando afirmou não resultar "dos factos provados que os créditos reclamados pela autora no processo de recuperação de empresas sejam os mesmos cuja satisfação a autora agora reclama das rés".
VV) Assim é, visto que, a 13 de Dezembro de 2002, foi junto aos autos um requerimento de reclamação de créditos que a Apelada apresentou no âmbito do processo especial de recuperação da E, S.A., que correu termos sob o Proc. n.º 110/96, junto do 2º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão.
WW) Visto que da análise da referida reclamação se constata que as facturas ora peticionadas são as mesmas já antes reclamadas, competia à sentença recorrida demonstrar quais as razões que fundaram a desconsideração de prova tão conclusiva, sob pena de violação do art.º 659º, n.º 3 do CPC.
XX) Desde modo, quando pediu o pagamento integral da dívida à Apelante (ou, supervenientemente, quando recebeu as dívidas reclamadas), a Apelada teria que alegar e fazer prova da falta de pagamento de qualquer crédito no âmbito do processo de recuperação da E, S.A., pois tal constitui facto constitutivo do seu direito (art.º 342º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil), sob pena de abuso de direito - recorde-se que as RR. não são o devedor original.
YY) Ora, também neste ponto a sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação das normas jurídicas em causa (v.g., art.º 334º do Código Civil), já que, caso esse tivesse sido o propósito da Apelante (o que, veementemente, se refuta), a Apelada poderia ter recorrido ao mecanismo da impugnação pauliana.
ZZ) Um dos valores que as Rés foram condenas a pagar foi a quantia de PTE 11.027.567$00, relativos às facturas de fls. 84 a 102, acrescido do valor mencionado no quesito 11º, tudo no valor total de PTE 25.000.000$00, e descontado dos valores referidos nos Quesitos 17º a 34º (no total de PTE 13.972.433$00).
AAA) Ora, se quanto aos PTE 11.027.567$00 antes referidos, é certo que se tenha logrado provar ter recebido por conta dessa verba a quantia de PTE 13.972.433$00, não resulta da matéria dada como provada que o remanescente não tenha sido pago;
BBB) Não podendo as respostas aos quesitos ser lidas a contrario - ou seja, que tendo sido provado o pagamento de parte, se presuma o não pagamento do restante -, não há senão que concluir que a A. não logrou provar ser credora de tal verba.
CCC) Assim, dos autos apenas resulta não ter recebido a A. da E a quantia de PTE 20.020.837$00.
DDD) Ao decidir diferentemente, o Tribunal violou o nº3 do Artigo 659º do CPC.»
Delimitado como está o objecto deste recurso pelas conclusões das alegações da recorrente começaremos por dizer que ela carece de razão.
Com efeito, já se deixou dito no recurso da Ré Capital Plus que do constante do processo resulta sem dúvida que a data da cessação da relação de domínio é a de 12 de Maio de 1995, não se vislumbrando quaisquer irregularidades processuais, "maxime" as pretendidas pela recorrente, que tenham tal influência que permitam a conclusão desejada por esta de que tal data é a de 13 de Abril de 1995.
Tal é a verdade material que justificadamente se deu por assente, e que é a que fundamentalmente interessa atingir para apreciação e decisão do caso "sub judice".
E não houve de modo particular a omissão de pronúncia apontada pela recorrente (art.º 668º n.º 1 d) C.P.C. "ex vi" do art.º 716º n.º 3 do mesmo Código).
Por outro lado, também já se deixou esclarecido tudo quanto se relaciona com a responsabilidade a que alude o art.º 501º n.º 1 C.S.C, "maxime" em sede de interpelação da sociedade dominante, em sede de culpa desta última, e em sede de vencimento da obrigação.
E em tais termos que é de concluir pela evidente falta de razão nessa parte da ora recorrente que entende, além do mais, que a própria obrigação se extinguiu por via da supressão de fonte.
Com tudo o que se deixou explanado se conclui que carece de fundamento o que a recorrente alega quanto à condenação em juros.
Também, portanto, no recurso da outra Ré se esclareceu o que se impunha esclarecer quanto àqueles, e, evidentemente, de forma contrária à pretendida pela recorrente.
Nesta sede, não há, portanto, ofensa do disposto nos art.ºs 804º e 805º C. Civil.
Alega ainda a recorrente que o Tribunal da Relação deveria ter recusado no acórdão recorrido a aplicação do art.º 501º n.º 1 do C.S.C., julgando o pedido integralmente improcedente por inconstitucionalidade orgânica de tal preceito legal, nos termos do art.º 204º da C.R.P..
E justifica essa sua afirmação dizendo que o direito à propriedade goza de um carácter análogo aos direitos, liberdades e garantias.
No caso do art.º 501º n.º 1 do C.S.C. o direito à propriedade privada é restringido na sua vertente de direito a não ser privado de bens licitamente adquiridos.
E acrescenta que o Código das Sociedades Comerciais foi aprovado pelo D.L. 262/86 de 2/9 ao abrigo do (então) art.º 201º n.º 1 al. a) da C.R.P. - actualmente art.º 198º n.º 1 al. a) - e sem se encontrar ao abrigo de qualquer autorização legislativa.
Ora acontece (desde logo, e a revelar que tal tese não é de aceitar) que o art.º 501º n.º 1 C.S.C. não estabelece nenhuma restrição ao direito à propriedade privada.
Tal disposição legal apenas consagra uma excepção ou desvio ao princípio de responsabilidade limitada dos sócios das sociedades anónimas, ao imputar à sociedade mãe de um grupo uma responsabilidade pessoal, directa e ilimitada pelas dívidas contraídas pelas respectivas sociedades filhas.
Assim, o que está subjacente ao art.º 501º C.S.C é o oferecer aos credores de uma sociedade integrada no perímetro de um grupo societário uma tutela especial dos respectivos direitos em face dos riscos patrimoniais resultantes dessa integração, e tão só.
E o caso "sub judice" ilustra de modo saliente tal risco decorrente de uma conduta, desviante, no mínimo, que teve lugar através de manobras contabilísticas e comerciais ...
Relembre-se que não se trata de uma concretização legal do instituto do levantamento ou da desconsideração da personalidade colectiva: o instituto que permite verificados certos pressupostos, e em nome da lógica do sistema, ignorar a presença de uma pessoa colectiva de modo a atingir directamente a nulidade subjacente.
Enfim, o que importa concluir é que de modo algum se está em face de qualquer limitação ao direito à propriedade privada, que a recorrente alega.
Cumpre agora decidir a questão posta pela recorrente da existência de uma condenação em quantia superior ou em objecto diverso do peticionado (n.º 1 do art.º 661º do C.P.C.).
Alega aquela que a A. pediu o pagamento das quantias de 31.048.404$00 e 1.004.553$00 a título de capital, e de 7.690.070$00 a título de juros de mora (tudo num total de 39.752.007$00), e, por seu turno o tribunal veio a apurar que o capital em dívida era afinal de 35.697.963$00, concluindo por um crédito total de 40.017.511$00.
Ora também aqui falta razão à recorrente.
Na verdade, na sentença da 1ª instância (confirmada pelo acórdão recorrido da Relação) a dado passo (fls. 1623) afirma-se que o capital em dívida é de 35.697.963$00.
Mas sucede que essa afirmação foi depois corrigida na parte dispositiva da mesma sentença (fls. 1625 v.) no sentido de que o capital era apenas de um total somado de 33.607.104$00.
Deve salientar-se que, como é bem sabido, a regra da condenação estabelecida no art.º 661º n.º 1 C.P.C. só se refere ao pedido total e não às suas parcelas.
No que concerne ao cálculo dos valores decorrentes das facturas não pagas e juros de mora respectivos (como se salienta no acórdão recorrido) reputam-se como correctos os valores e operações constantes da sentença da 1ª instância, não se afigurando poder ser alterados, pelo que se mantêm tais cálculos, não revelando o que a recorrente alega com base no art.º 785º n.º 1 C. Civil, que de modo algum foi violado, contrariamente ao que ela afirma.
Saliente-se que a petição inicial foi articulada tendo em conta tal disposição, e se as Rés entendessem de outro modo cumpria que elas alegassem na contestação que a Autora havia acordado numa regra de imputação diversa da que acabou por ser aceite no processo.
Por último, no que respeita à pretensão da recorrente de que os autos apenas resulta não ter recebido a A. da E tão só a quantia de 20.020.837$00, já se deixou dito que é correcta a quantia em dívida encontrada pelo tribunal (e que é diferente desta) sendo simplesmente de salientar que não é de aceitar a tese de que a Autora é que tinha de alegar e provar a falta de pagamento de qualquer crédito no âmbito do processo de recuperação da E (v. art.º 342º do C. Civ.).
E evidente se torna também que não se pode aqui equacionar, face a tudo o que já se deixou explanado, uma situação de abuso de direito (art.º 334º C. Civ.).
Este é, como se sabe, um limite normativo imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados (Prof. Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito, 526 e nota 46).
A Autora apenas veio peticionar o seu direito de uma forma perfeitamente normal e alicerçada, pretendendo apenas ver-se ressarcida do seu crédito.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, improcedem as conclusões das alegações da recorrente.