luni, mai 09, 2005

Representação Comercial - Indenização - Acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais (BR)

EMENTA: CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL - ROMPIMENTO - INDENIZAÇÃO - FORÇA MAIOR - LEI 4.886/65.

À indenização a que alude o art. 27, letra "j", da Lei 4.886/65, não tem direito o representante comercial, se o rompimento do pacto se deu por sua iniciativa, não tendo se verificado, na espécie, as causas definidas pela legislação específica como motivos justos para a rescisão do contrato.
O fato de a representada ter perdido o único cliente para o qual eram feitas as vendas, em razão dele parar de utilizar-se do produto representado, não configura hipótese de força maior, a ensejar a aplicação do art. 36 do precitado diploma legal.
Quem denuncia o contrato de representação sem causa justificada, que vigora há mais de seis meses, salvo outra garantia prevista no contrato, deverá conceder pré-aviso de, no mínimo, trinta dias, ou ao pagamento de importância igual a um terço (1/3) das comissões auferidas, nos três meses anteriores.
A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 476.067-8, da Comarca de UBERLÂNDIA, sendo Apelante (s): 1ª) DIRETRIZES IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA.; 2º) TERMOTÉCNICA LTDA. e Apelado (a) (os) (as): AS MESMAS,
ACORDA, em Turma, a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, REJEITAR A PRELIMINAR DE SENTENÇA CITRA PETITA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO E TOTAL PROVIMENTO À SEGUNDA.
Presidiu o julgamento a Juíza TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO (Revisora) e dele participaram os Juízes AFRÂNIO VILELA (Relator) e MAURÍCIO BARROS (Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2005.

JUIZ AFRÂNIO VILELA
Relator
V O T O

O SR. JUIZ AFRÂNIO VILELA:
Cuida-se de recursos de apelação interpostos por Diretrizes Importação e Exportação Ltda., 1.º apelante, e Termotécnica Ltda., 2.ª apelante, contra a r. sentença de f. 362/366, que julgou improcedentes os pedidos formulados em "Ação de Cobrança pelo Rito Sumário", e em pedido contraposto feito pela 2.ª apelada.
Inconformada com o deslinde da quaestio, pugna a 1ª apelante, Diretrizes Importação e Exportação Ltda., pela reforma do r. decisum, alegando em suas razões (f. 382/393), em preliminar, que o julgamento foi citra petita uma vez que não apreciou o pedido de comissão sobre o valor do IPI, bem como intimação da apelada a trazer aos autos as notas fiscais para verificação das comissões de forma detalhada, requerendo sejam os autos devolvidos para que seja julgada a totalidade dos pedidos da inicial; que seja deferida a indenização a título de IPI, autorizada pelo §4.º, art. 32, da Lei 4.886/65, visto que a base de cálculo das comissões do representante manda que o cálculo seja efetuado com base no valor total da mercadoria, entendendo-se, por isso, o valor que efetivamente o comprador pagou pelo produto; que a indenização de 1/12 (um doze avos) somente não é devida quando a rescisão do contrato ocorra pelos motivos elencados no art. 35 da Lei 4.886/65, sendo a enumeração dos motivos ensejadores da justa causa a favor do representado e taxativa, devendo a lei ser interpretada em benefício do trabalho humano, logo, do representante que é a parte hipossuficiente da relação; que a rescisão não ocorrera por sua vontade maior, e sim por causa de divergência de comercialização entre as partes; requer, ainda, nas razões de mérito do recurso de apelação, seja a apelada intimada a juntar as cópias das notas fiscais, sob pena do art. 359 do CPC.
A primeira apelada, por sua vez, apresentou contra-razões, às f. 414/423, pugnando pela manutenção do r. decisum.
Em contrapartida, às f. 395/407 dos autos, a 2ª apelante, Termotécnica Ltda., apresentou suas razões de apelação, pugnando pela reforma do r. decisum, no que diz respeito ao pedido contraposto, formulado com fulcro no art. 34 da Lei 8.420/92, para condenar a autora no pagamento de aviso prévio, cujo débito, entende, foi por ela confessado, bem como majorar o valor dos honorários advocatícios fixados pelo MM. Juiz de primeira instância, no valor de R$1.000,00, (um mil reais), em razão de estar em desproporcionalidade com o valor dado à ação, que foi de R$49.978,62 (quarenta e nove mil, novecentos e setenta e oito reais e sessenta e dois centavos).
Contra-razões à 2.ª apelação acostadas aos autos, às f. 410/413, pleiteando a não-reforma da sentença vergastada e pugnando novamente por sua anulação, para que o feito seja devolvido ao MM. Juiz a quo e seja apreciado o pedido de comissão sobre o IPI formulado.
Recursos próprios, preparados e tempestivos. Deles conheço.
PRIMEIRA APELAÇÃO
PRELIMINAR : Nulidade da Sentença citra petita:
Havendo alegação de prolação de sentença citra petita, passo à sua análise, uma vez que seu reconhecimento prejudica o julgamento das demais questões devolvidas a este Tribunal.
Alega a 1ª apelante que a sentença é citra petita, uma vez que não apreciou o pedido de pagamento da comissão sobre o valor do IPI, requerendo sejam os autos devolvidos para que seja julgada a totalidade dos pedidos da inicial.
Dessa forma, requereu fossem os autos remetidos à primeira instância para que o magistrado a quo julgasse a matéria.
Da análise da r. sentença vejo que não assiste razão à apelante, pois, mesmo não fazendo alusão expressa ao pedido de pagamento do valor das comissões a título de IPI, bem como da indenização de 1/12 (um doze avos) sobre essa comissão, entendo que o convencimento do MM. juiz sentenciante foi de que o pedido era improcedente, visto que a rescisão do contrato se deu por iniciativa da parte autora, não sobressaindo das razões apresentadas o efeito de força maior a gerar direito de indenização, de acordo com o art. 36, "e" da Lei 4.886/65.
Dessa forma, mesmo a sentença não atacando expressamente o ponto fustigado pelo autor mas, da análise geral, concluindo pela procedência ou improcedência, como foi o caso, não há que se falar em sentença citra petita.
Ademais, não fosse isso, comungo do entendimento de que, em casos de prolação de sentença citra petita, suficientemente instruída a lide, o pedido pode ser julgado pelo Tribunal, em atenção aos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, já que o Código de Processo Civil tem seu sistema próprio de invalidades, admitindo a convalidação de atos e a sanação de eventuais vícios.
A propósito, a seguinte jurisprudência:
"EMBARGOS À EXECUÇÃO – NULIDADE DA SENTENÇA – CERCEAMENTO DE DEFESA – JULGAMENTO ANTECIPADO – EXCESSO DE EXECUÇÃO – Não se configura nulidade de sentença por vício de ser citra petita, o julgamento imperfeito de uma questão, eis que o tribunal poderá completar o exame, devido ao efeito devolutivo do recurso. - Não constitui cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, se a prova requerida mostra-se dispensável ao desate da lide. - Demonstrado erro material no título executivo judicial que ensejou a execução de sentença, ocasionando excesso de execução, deverá ser apurada pela contadoria judicial a quantia passível de se executar" (Preliminares rejeitadas e recurso provido. (TAMG – AP 0368257-5 – (68124) – Belo Horizonte – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz Ediwal José de Morais – J. 29.04.2003) (grifei).
Rejeito, pois, a preliminar de sentença citra petita.
DO MÉRITO
Ultrapassada a preliminar, em sede de apelação, analiso e decido sobre a matéria devolvida a este Tribunal ad quem.
Em relação ao pedido de indenização de 1/12 (um doze avos) sobre o valor das comissões recebidas, tenho que a pretensão não merece ser acolhida.
Expressamente, a parte autora sustentou a inviabilidade de continuação do contrato de representação, tendo em vista que o preço da mercadoria não proporcionava condições de concorrer com outros produtores.
Com efeito, não surge nenhuma condição impositiva a que o produtor reduza o preço de sua mercadoria a fim de torná-la competitiva no mercado, possibilitando maior facilidade no serviço de representação da autora, ora apelante. Essa situação não dá azo a que o representante, por motivo de força maior, denuncie o contrato.
Ademais, restou demonstrado nos autos que a única empresa para a qual a apelante representava os produtos não deixou de adquirir os produtos em razão de seu alto preço e, sim, em razão de ter, temporariamente, deixado de trabalhar com os produtos representados (f. 327).
A matéria ora em exame rege-se pelas disposições da Lei 4.886/65, alterada pela Lei 8.420/92.
O art. 27 do supracitado diploma legal preceitua que constará do contrato de representação, obrigatoriamente, entre outras, cláusula que preveja "indenização devida ao representante, pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação".
Não tendo sido juntado contrato de representação comercial, deve ser utilizado o mínimo estabelecido por lei, qual seja, 1/12 (um doze avos).
O art. 36, da Lei 4.886/65, a seu turno, dispõe:
"Art. 36. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representante:
a) redução de esfera de atividade do representante em desacordo com as cláusulas do contrato;
b) a quebra, direta ou indireta da exclusividade, se prevista no contrato;
c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular;
d) o não-pagamento de sua retribuição na época devida;
e) força maior."
Denota-se da análise do contexto probatório dos autos que o apelado não praticou nenhum dos atos capazes de ensejar a justa ruptura da avença por parte do representado, não restando comprovada a ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas no art. 36 da legislação transcrita, muito menos a força maior.
Inevitável, portanto, concluir-se que, para que o recorrente faça jus à indenização pleiteada, mister que se apure quais as causas que deram origem ao rompimento do contrato.
A respeito do conceito de força maior, Caio Mário da Silva Pereira leciona:
"(...) conceitua-se a força maior como o damnun que é originado do fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto, etc." (in "Instituições de Direito Civil", vol. II, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1993).
Para que se configure o caso fortuito, ou força maior, exigem-se os elementos seguintes: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor. Se há culpa, não há caso fortuito; e reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa do devedor. Uma exclui o outro; b) o fato deve ser superveniente e inevitável; c) finalmente, o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano. Desde que não pode ser removido pela vontade do devedor, não há que se cogitar de culpa deste pela inexecução da obrigação.
A partir da análise de tais conceitos e de sua aplicação ao caso sub judice, resta evidente que não há que se falar em força maior a motivar o rompimento do contrato, e tampouco da conseqüente aplicação dos preceitos contidos no art. 36 da Lei 4.886/65.
De qualquer ângulo que se analise a presente demanda, forçoso é admitir-se que não assiste ao apelante direito ao recebimento da indenização de 1/12 (um doze avos), primeiro porque o rompimento do pacto se deu por sua iniciativa, com anuência da representada, e em segundo lugar, porque não se configuraram os elementos caracterizadores do justo motivo para a rescisão, nos termos da legislação pertinente à matéria.
Requer, ainda, seja deferido o recebimento da comissão relativa ao IPI, autorizada pelo § 4º, art. 32, da Lei 4.886/65, visto que a base de cálculo das comissões do representante manda que o cálculo seja efetuado com base no valor total da mercadoria, entendendo-se, por isso, o valor que efetivamente o comprador pagou pelo produto.
Nesse aspecto, a meu ver, entendo que mereça reforma a r. sentença, visto que as comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas devem ser calculadas pelo valor total das mercadorias.
Nos termos do art. 32, § 4º, da Lei 4.886/65, a comissão deve ser calculada com base no valor total das mercadorias e, sendo o IPI, da mesma forma que o ICMS, tributo indireto, que onera o preço final do produto (art. 155, IV, § 3º, II, da CR/88), o valor da mercadoria já contém, embutido, o valor do imposto e, por isso, deverá o representante receber o valor, que não estava incluído nas comissões.
Nesse sentido, a jurisprudência deste tribunal, em caso análogo:
"Representação Comercial – Comissão – ICMS – Mercadoria – Valor – Lei 8.420/92 – Aplicação Imediata – Cláusula Abusiva – Indenização.
A partir do advento da Lei 8.420/92, a comissão devida ao representante comercial incide sobre o valor total da mercadoria, o que significa que nela se inclui o ICMS.
A lei nova tem aplicação imediata, alcançando as obrigações cujo cumprimento ocorreu após o seu advento, sem que isto represente ofensa a ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, mormente se o contrato possui cláusula manifestamente abusiva, permitindo que da remuneração do representante comercial se exclua imposto que já se encontra embutido no valor da mercadoria" (AC 247.975-9, da 3ª Câm. Cív. do TA/MG, Rel. Juiz Edílson Fernandes, j. 18/02/1998).
E, em razão da inércia da parte apelada em juntar as notas fiscais de saída das mercadorias, a fim de se aferir o real valor das comissões devidas, a importância deverá ser fixada em liquidação de sentença, utilizando-se as notas fiscais de prestação de serviço juntadas pela apelante, como forma de se verificar qual valor deixou de ser pago à época, devendo este ser corrigido monetariamente desde o ajuizamento da ação, com juros de mora desde a citação, ao percentual de 0,5% até 11/01/2003 e 1% a partir de então, conforme disposição do C.Civil de 2002, até o efetivo pagamento.
Entretanto, não merece acolhida o pedido de pagamento da indenização de 1/12 (um doze avos), sobre o valor pleiteado, visto que a apelante a ele não faz jus, conforme já arrazoado.
SEGUNDA APELAÇÃO

A segunda apelante, Termotécnica Ltda. requereu a reforma do r. decisum, no que diz respeito ao pedido contraposto, formulado com fulcro no art. 34 da Lei 8.420/92, para condenar a autora no pagamento de aviso prévio, cujo débito, entende, foi por ela confessado.
Diz o seguinte o art. 34, sobredito:
"A denúncia, por qualquer das partes, sem causa justificada, do contrato de representação, ajustado por tempo indeterminado e que haja vigorado por mais de seis meses, obriga o denunciante, salvo outra garantia prevista no contrato, à concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de trinta dias, ou ao pagamento de importância igual a um terço (1/3) das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores".
Nesse compasso, entendo que merece acolhida o pedido da segunda apelante de reforma do decisum, no que se refere a seu pedido contraposto, pois que fora a apelante quem denunciou o contrato de representação, conforme por ela mesmo confessado e, ainda, comprovado pelo documento de f. 254/259 dos autos.
Com relação aos honorários advocatícios, os quais o MM. juiz fixou com base no art. 20 § 4º do CPC, entendo merecer reforma a r. sentença, entretanto, não em razão dos argumentos expendidos pelo segundo apelante, mas sim, porque, no caso dos autos, há valor de condenação, a ser aferido em liquidação de sentença, devendo portanto, ser utilizada a regra do art. 20 § 3.º do CPC.
Isso posto, rejeito a preliminar de sentença citra petita e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO, para condenar a 1.ª apelada a pagar o valor relativo ao desconto do IPI nas comissões recebidas durante o tempo em que vigiu o contrato, e DOU TOTAL PROVIMENTO À SEGUNDA APELAÇÃO, para condenar a 2.ª apelada ao pagamento da indenização de 1/3 referente aos 03 (três) últimos meses de vigência do contrato, tudo a ser apurado em liquidação de sentença, corrigido monetariamente do ajuizamento da ação pelo índice da CGJMG, com juros de mora desde a citação, ao percentual de 0,5% até 11/01/2003 e 1% a partir de então (CC/2002), até o efetivo pagamento.
Quanto aos honorários advocatícios, fixo em igual percentual de 15% (quinze por cento) do valor da respectiva condenação.
Custas processuais, em percentual de 50% para cada parte.


JUIZ AFRÂNIO VILELA
AVC.

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