luni, martie 21, 2005

Empréstimo Mercantil - Supremo Tribunal de Justiça (PT)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 04B4067
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: ACTO COMERCIAL - EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - EMPRÉSTIMO MERCANTIL - FIANÇA - FIADOR - SOLIDARIEDADE - SUB-ROGAÇÃO
Na presente acção ordinária a autora A, Sociedade Financeira para Aquisição a Crédito, SFAC, SA pede que os réus B -Representações e Comércio, Ldª, "C", Ldª, D e mulher E sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 1.777.676$00, com juros de mora vencidos até 7/12/1993 no montante de 963.646$00 e vincendos, à taxa de 26%, até integral pagamento, alegando que:
--por contrato de mútuo com fiança, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) concedeu à 1ª ré um empréstimo de 1.880.000$00, destinado à aquisição à 2ª ré de uma viatura automóvel;
--o empréstimo deveria ser reembolsado, capital e juros, em 12 prestações trimestrais iguais e sucessivas;
--a autora, bem como os 2º, 3º e 4º réus e o F-Veículos e Máquinas, SA constituíram-se fiadores e principais pagadores do que à Caixa viesse a ser devido em capital, juros e demais encargos;
--a 1ª ré não pagou as prestações que se venceram em 7/11/91, 7/2/92, 7/5/92, 7/8/92, 7/11/92, 7/2/93, 7/5/93 e 7/8/93, sendo certo que a CGD debitou tais prestações à fiadora F, que as pagou e, por sua vez, as debitou à autora, que as pagou;
--do valor total das prestações que foram pagas pela autora apenas foi pago pela 1ª ré o montante de 12.799$00, que foi imputado ao saldo em dívida da prestação vencida em 7/11/91;
--ficou acordado que, em caso de incumprimento, a autora poderia exigir da 1ª ré ou de qualquer dos outros réus a totalidade das importâncias em dívida;
--a autora e o F são sociedades do Grupo ...: a 1ª a sua sociedade financeira e a 2ª o importador das viaturas;--o 3º réu é o sócio gerente da 1ª ré;
--a fiança das duas empresas do grupo destina-se a garantir o cumprimento do contrato perante a CGD e a fiança prestada pelos 2º, 3º e 4º réus destina-se a garantir o cumprimento do contrato perante as empresas do grupo F.
A autora desistiu do pedido contra a "C", Ldª, desistência que foi devidamente homologada por sentença.Os restantes réus contestaram, alegando que, embora sendo verdade não ter a 1ª ré efectuado o pagamento das prestações vencidas e referidas na petição inicial à CGD, pagaram à autora o valor total de 1.350.000$00, por ela não contabilizados para abatimento das prestações por ela pagas à CGD.
Respondeu a autora no sentido de assistir razão aos contestantes mas apenas no que concerne ao cálculo dos juros, em consequência do que reduziu o pedido dos juros vencidos para 404.750$00.
Realizado o julgamento, a acção foi julgada totalmente improcedente, mas a Relação de Lisboa, concedendo parcial provimento à apelação dela interposta pela autora, alterou a sentença no sentido de manter a absolvição dos réus D e E e condenar a B a pagar à autora a quantia de 8.867,01euros (=1.777.676$00), com juros de mora desde a data do pagamento da autora ao F até efectivo e integral pagamento e «contados meramente à taxa de juro legal civil, visto que a operação de fiança não revestiu natureza comercial para a autora e a 1ª ré».
É deste acórdão da Relação que a autora pede agora revista, resumindo-se as suas conclusões ao seguinte:
1. Discorda-se da qualificação do mútuo como civil, pois que se está perante uma operação de banca - empréstimo da Caixa Geral de Depósitos - têm aplicação os artigos 2º e 362 do Código Comercial;
2. Por força do artigo 99 do mesmo Código, ainda que o acto seja unilateralmente comercial será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes;
3. Sendo mercantil a fiança o regime a considerar é o da solidariedade, por força do disposto no artigo 101 do C. Comercial, devendo aplicar-se o nº1 do artigo 650 do Código Civil;4. Assim sendo, o devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir, tem, segundo o artigo 524 ex vi artigo 650, nº1, ambos do CCivil, direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que lhes competir;5. Aceita-se, como já se alegou na petição inicial, que a autora, no confronto com os demais fiadores, apenas deles pode exigir o valor proporcional à sua quota parte (1/5), pelo que deverão os 3º e 4º réus serem condenados ao pagamento à autora da quinta parte da dívida que subsistir (haverá que deduzir eventuais pagamentos feitos pela B);
6. Mesmo que, por mera hipótese, se considere o mútuo como civil, não se pode ignorar a fixação contratual dos juros de mora, com respeito pelos limites estabelecidos pelo nº2 do artigo 1146 do Código Civil.
Não houve contra-alegação.Corridos os vistos, cumpre decidir.
Para a solução do recurso relevam os seguintes factos provados:1ºA autora é uma sociedade financeira para aquisições a crédito;2ºA autora, os réus, a CGD e o F subscreveram o escrito particular denominado Contrato de Mútuo com Fiança, junto de fls. 7 a 10, nos termos do qual a CGD concedeu à 1ª ré, que aceitou, um empréstimo no montante de 1.800.000$00;3ºTal empréstimo destinou-se à aquisição pela 2ª ré de uma viatura Nissan, modelo Cabstar 3.5, com a matrícula UF e que deveria ser reembolsado, capital e juros, em 12 prestações trimestrais, iguais e sucessivas;4ºA autora, bem como a 2ª e os 3º e 4º réus constituíram-se fiadores e principais pagadores do que à CGD viesse a ser devido em capital, juros e demais encargos;
5ºA 1ª ré não pagou as prestações que se venceram em 7/11/91, 7/2/92, 7/5/92, 7/8/92, 7/11/92, 7/2/93, 7/5/93 e 7/8/93, as quais totalizam 1.784.475$00, correspondendo às 5ª a 12ª prestações;6ºA CGD debitou estas prestações ao F, que as pagou, tendo-as debitado à autora, que as pagou ao F;7ºA autora pagou ao F 1.790.475$00, correspondentes às prestações e a despesas de portes e expediente.
Definitivamente decidido que a autora, ora recorrente, tem direito, como fiadora do contrato de mútuo em causa, a haver da devedora/mutuária, a 1ª ré B, o montante peticionado e juros, temos para resolver duas questões:
--se os dois réus D e E -- confiadores do contrato, juntamente com o F, a 2ª ré, C (relativamente a quem houve desistência do pedido) e a autora -- devem também ser condenados a pagar a esta o valor proporcional da sua quota parte (1/5) da dívida que subsistir;
--se a contabilização dos juros deve ser feita à taxa contratada e não, conforme decidiu o acórdão recorrido, à taxa legal civil.
A resposta a estas duas questões está na qualificação que se fizer do contrato de mútuo em causa:--ou civil, como decidiu o acórdão;--ou comercial, como defende a recorrente.
Invocando o disposto no artigo 394 do Código Comercial - «Para que o contrato de empréstimo seja havido por comercial é mister que a cousa cedida seja destinada a qualquer acto mercantil» - e a falta de prova de que a quantia mutuada foi destinada a acto de comércio, concluiu o acórdão sob recurso que o mútuo tem natureza civil, pelo que, não tendo a recorrente excutido previamente os bens da devedora (a 1ª ré), «não estão reunidos todos os pressupostos fácticos para que se possa reconhecer o seu direito de regresso contra os demais fiadores.».
Acontece, porém, que estamos perante um financiamento através de empréstimo bancário, ou seja, uma operação bancária integrável, por isso, na previsão do artigo 362 do referido Código, segundo o qual são comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de crédito, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador.
Estamos, portanto e sem dúvida, perante um empréstimo que é objectivamente um acto de comércio, pois que assumem essa natureza «todos os empréstimos feitos por um banco, ainda que não sejam destinados a actos mercantis» -- Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, II-458 e J. G. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 3ª ed., I-66.
Daí que se lhe aplique, na relação entre os confiadores - como é a questão em discussão - o disposto nos artigos:--100 e 101 do Código Comercial, onde se estabelece a regra da solidariedade;
--650, nº1 do Código Civil, segundo o qual, havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores;
--524 do Código Civil, segundo o qual o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe compete tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
Ou seja e como bem sintetiza Abílio Neto, Código Civil Anotado, 14ª edição, página 745:«...Se os fiadores forem solidários, o que pagar fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e fica também sub-rogado, de harmonia com as regras das obrigações solidárias (arts.524º e ss.), nos direitos do credor contra os seus confiadores. A sub-rogação nos direitos do credor contra os confiadores só existe na medida do direito de regresso do solvens contra os seus confiadores, tal como nos demais casos de obrigação solidária.».
Consequentemente assiste toda a razão à recorrente quando - numa redução do pedido perfeitamente legal e atempada, atento o nº2 do artigo 273 do Código de Processo Civil -- pretende ver condenados os 3ºe 4º réus a pagarem-lhe a 5ª parte (são cinco os fiadores e funciona a presunção da igualdade de comparticipação estabelecida no artigo 516 do Código Civil) da dívida que subsistir, no caso de a devedora, a 1ª ré, não vier a pagar a totalidade dela.
Ainda por ser um empréstimo comercial é óbvio que a condenação em juros deverá respeitar a taxa da operação bancária contratada (26%).
DECISÃOPelo exposto concede-se a revista e altera-se o acórdão recorrido no sentido de se julgar procedente a acção, em consequência do que se condenam:
a)a ré B-Representações e Comércio, Ldª a pagar à autora a quantia de 8.867,01euros (equivalente aos peticionados 1.777.676$00), acrescida de juros de mora, à taxa de 26%, desde a data do pagamento da autora ao F;
b)os réus D e E a pagar à autora o que subsistir (por eventual falta de pagamento pela B) da dívida referida em a), e, relativamente a cada um destes dois réus, até ao limite de 1/5 dessa mesma dívida.Custas, em todas as instâncias, pelos réus na proporção das respectivas responsabilidades.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2005
Ferreira Girão, Luís Fonseca, Lucas Coelho

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