luni, martie 21, 2005

Deliberação Social - Supremo Tribunal de Justiça (PT)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 04B4575
Relator: Neves Ribeiro
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL - INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA - SOCIEDADE - ACÇÃO - RÉU - GERENTE - INDEMNIZAÇÃO - PEDIDO - CADUCIDADE DA ACÇÃO
I
Razão da revista e fundamentos que a suportam1. "A", LD.ª intentou, no Tribunal de Aveiro, em 24.02.03, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B, pedindo a condenação do Réu ao pagamento da quantia de € 236.924,29, acrescida de juros de mora já vencidos, no montante de € 82.923,48, e dos vincendos, até integral e efectivo pagamento.
A sociedade Autora alegou para o efeito, em síntese, o seguinte:- São seus sócios, o Réu, C (pai do Réu) e D, este já falecido;- O objecto social da Autora consiste no exercício da actividade de despachante oficial, tendo o Réu sido investido no cargo de gerente, em 19.12.91, aí se mantendo até 19.07.96;- No dia 18.07.98, realizou-se uma assembleia geral da sociedade, constando da ordem de trabalhos, entre outros assuntos «discutir e deliberar sobre a propositura de acção (civil e criminal) contra o, ora Réu, pela prática, durante o exercício das suas funções de gerente, de vários factos que determinaram prejuízos para a sociedade, bem como a exclusão do Réu da sociedade e amortização da sua quota que estava penhorada».
- Todos os pontos da ordem de trabalhos foram aprovados por unanimidade;
- O Réu requereu, com êxito, a providência cautelar de suspensão da deliberação social e, no prazo legal, intentou a acção de anulação correspondente.
- Por falta de impulso processual da dita acção, foi a instância interrompida, por despacho de 20.10.2000, verificando-se posteriormente, decorridos 2 anos, a deserção da instância;
- Extinta a instância da acção de anulação de deliberação social, e tendo caducado a suspensão da deliberação social, nada obsta a que a Autora intente a acção de responsabilidade a que alude o artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais;
- Por diversas irregularidades, que a Autora identifica na petição, o Réu, no exercício das suas funções de gerente, e em proveito próprio, lesou a sociedade Autora, na quantia de € 236.924,29 (equivalente a 47.499.056$70).
2. No que ora interessa, o Réu contestou por excepção, invocando a caducidade do direito accionado pela sociedade Autora, em virtude de a acção de responsabilidade ter sido proposta, muito para além do prazo de seis meses, a contar da deliberação, em desrespeito pelo art. 75, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais.
3. Dir-se-á ainda que, no despacho de saneamento do processo, absolveu-se o réu do pedido por se julgar procedente a excepção de caducidade da acção.
E, na apelação que a autora lhe levou, a Relação de Coimbra decidiu julgar improcedente a excepção de caducidade, uma vez que considerou, contra a decisão da Primeira Instância, que a acção de responsabilidade foi instaurada em tempo, determinando, por isso, o prosseguimento do processo. (Fls. 277 verso / 278).
4. Daí a revista, interposta pelo réu que, na parte útil à economia do objecto a conhecer, fundamenta do modo que segue:
- o direito de acção extinguiu-se por caducidade, por força da aplicação do disposto na alínea b), do n.º 1 do Art.º 389º do Código de Processo Civil.
- Efectivamente, foi ordenada a remessa do processo principal à conta, nos termos do disposto no artigo 51 do Cód. das Custas Judiciais, por negligência do Recorrente em promover os termos da acção principal, por período superior a 30 dias.
- A Recorrida teve conhecimento, pelo menos, em 25 de Outubro de 1999, ou em 26 de Outubro de 2000, quando, pela mesma razão, foi declarada a interrupção da instância, o que, igualmente foi, do conhecimento imediato da Recorrida. (Conclusões IV e V).
- Logo, seja como for (considere-se qualquer daquelas datas) quando, em 24 de Fevereiro de 2003, foi proposta a acção, esgotara-se havia muito, o já citado prazo legal de seis meses, previsto pelo artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, para a sua propositura, assim tendo caducado o direito da Recorrida de accionar o Recorrente. (Conclusão VI).
- Assim não se entendendo, o Acórdão recorrido violou as disposições legais dos artigos, 75 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais e 389 b), do Código de Processo Civil, devendo revogar-se o Acórdão recorrido, e, em seu lugar, manter-se a Decisão de 1.ª Instância que declarou a caducidade da acção.(Conclusão VII).
II
A questão a resolver e o direito que se lhe aplica

1. A questão jurídica a resolver consiste em saber se, o direito de acção de onde emerge o presente recurso, havia caducado, à data da sua instauração, em 24 de Fevereiro de 2003 ( fls. 2, 1º volume).Vejamos para isso os factos mais relevantes:
2. O réu requereu com sucesso, a suspensão da deliberação da Assembleia Geral da sociedade autora, realizada no dia 18 de Julho de 1998, que havia sido regularmente convocada para tratar de vários assuntos que especificava na ordem de trabalhos, nomeadamente, entre eles:
- Discutir e deliberar sobre a propositura de acção (civil e criminal) contra o sócio B pela prática durante o exercício das funções de gerente dos seguintes factos:
a) Prestação de aval em negócio estranho ao objecto social à firma "E", Lda em letra sacada por "F", S.A., obrigação já resgatada pela actual gerência pelo valor de 14.553.021$70, no âmbito do processo de execução que correu termos pelo 3° juízo da Comarca de Aveiro;
b) Transferência da quantia de 3.200 contos, não autorizada, da conta da sociedade no BCP para a "E", L.da;
c) Transferência da conta bancária da sociedade no BCP e no BNU, no valor de 20.000 contos para a conta pessoal do sócio visado, ocorrida em Fevereiro de 1995;
d) Levantamento de cheques sobre contas da sociedade no montante de vários milhares de contos, de utilização não identificada;
e) Apropriação de bens móveis e do veículo automóvel Alfa Romeo que utiliza em proveito próprio desde Junho de 1996;Discutir e deliberar, atenta a gravidade dos factos, acima enumerados sobre a exclusão da sociedade do sócio visado B.reproduzido)....».A deliberação correspondente foi votada favoravelmente, no que respeitava à " propositura de acções (civis e criminais) contra o sócio B" - o ora recorrente.
Então, este, intentou uma providência cautelar de suspensão da deliberação social assim tomada, tendo sido decretada judicialmente a suspensão do deliberado.
Por falta de impulso processual, a dita acção (diga-se: o processo) de anulação de deliberação social "foi remetida" à conta e, posteriormente, declarada interrompida a instância por despacho proferido em 26 de Outubro de 2000.
3. Por palavras mais claras, decorre do exposto, que o recorrente pediu, com êxito, a suspensão da deliberação social ao tribunal de Aveiro, e, depois, instaurou, no mesmo tribunal, a acção consequente para anulação daquela deliberação social (processo n. 514/98).
Sucedeu que a instância anulatória veio a ser considerada interrompida e, como tal, judicialmente declarada, por despacho de 26 de Outubro de 2000.
Depois, foi declarada extinta, por deserção, decorridos que foram dois anos sobre a interrupção, e tal como determina o artigo 291 n. 1, do Código de Processo Civil.
{Observe-se entretanto, que o relator, por considerar de relevo para a decisão [artigos 700 n. 1, alínea, a) e por similitude com o artigo 265º, ambos do Código de Processo Civil], solicitou ao tribunal de Aveiro, certidão da notificação das partes, relativamente á interrupção da instância, em causa, destinada à anulação da deliberação social que responsabilizava e destituía o gerente (aqui réu/recorrente)}.
Junta a certidão (fls. 324), nela se lê que «o despacho que declarou interrompida a instância na acção n.º 514/98, em que é autor B, e ré, "A", L.da, foi notificado aos mandatários das partes em 28 de Outubro de 2000"».Tanto basta para verificar que a acção donde emerge este recurso é tardia.O direito subjectivo público á acção que se pretende exercitar, tinha caducado à data da propositura do processo que lhe daria corpo, e donde provem este recurso.
4. É o que vamos explicar agora:A lei diz, por um lado:
a):«O procedimento cautelar extingue-se, e, quando decretada, a providência cautelar caduca... se, proposta a acção, o processo estiver parado por mais de 30 dias, por negligência do requerente». [Artigo 389 n. 1, alínea b), do Código de Processo Civil].
b) Por outro:«A acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende da deliberação dos sócios" e deve ser tomada no prazo de seis meses a contar da referida deliberação"». (Artigo 75 n. 1 do Código das Sociedade Comerciais).
5. Chamando "à razão da lei", que acaba de transcrever-se, os factos pertinentes, e já indicados no ponto 2, verificamos que a sociedade autora, deixou de estar impedida de propor a acção declarativa de responsabilidade contra o réu, e a que reporta o artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo menos, a partir da sua notificação da interrupção da instância, em 28 de Outubro de 2000, data devidamente certificada, como dissemos.
A partir dessa data não havia qualquer obstáculo legal ou estatutário que impedisse a autora de instaurar a acção, por pedido indemnizatório pela alegada conduta ilícita do réu ( fls. 16, 1º volume; e ponto 1, Parte I).
Estava colocada em condições objectivas de o poder accionar, pois a providência cautelar que condicionava, impedindo, a instauração desta acção, tinha deixado de ser impedimento, porque havia caducado, pela inércia do aí, requerente/autor -inércia dada a conhecer atempadamente à ré (ora autora), com o texto explicativo da própria decisão, como vem também certificado.
Com o que se quer dizer que, tendo a presente acção sido instaurada em 24 de Fevereiro de 2003, há muito que estava esgotado o prazo, de seis meses, mencionado no transcrito artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, para o exercício da acção civil pretendida. E pretendida pela deliberação social descrita nos pontos 2 e 3, por cuja definitividade se aguardava, como condição da propositura da acção indemnizatória donde emerge esta revista!
Caduca a providência cautelar da suspensão da deliberação, conforme assinalado na alínea b) transcrita - e feita a notificação ao autor - estava o caminho aberto para ele poder propor a acção de indemnização.
Na solução da decisão recorrida - e com o devido respeito - não teria qualquer lógica, ou sentido razoável (nem se afigura de bom senso!) forçar-se o autor à espera da declaração judicial de deserção, dois anos mais tarde! E só nessa altura vir accionar o réu!Parece-nos um caminho que a lei não deve comportar!
6. Termos em que, sem necessidade de maiores explanações, se concede provimento à revista, revogando-se a decisão recorrida, ficando a subsistir a decisão de 1ª instância que considerou caduco o direito de acção, a exercer através do processo donde emerge o presente recurso. Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2005
Neves Ribeiro, Araújo Barros, Oliveira Barros.

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