luni, martie 28, 2005

As Empresas e os Mercados no Programa do XVII Governo Constititucional, de Portugal

Além de assumir que, em termos gerais: "Um dos principais obstáculos com que hoje se defrontam as empresas reside na excessiva regulamentação que afecta as diferentes actividades económicas. A legislação e regulamentação, mesmo quando concebida com as mais válidas finalidades do bem-estar colectivo (segurança de pessoas e bens, qualidade de vida, defesa do consumidor, etc), por vezes não pondera o impacto que tem sobre o exercício das actividades económicas, sobre os custos envolvidos e sobre as dificuldades de acesso de novas empresas. Torna-se, pois, essencial promover a simplificação da legislação e dos procedimentos em áreas centrais à actividade das empresas, bem como desenvolver práticas de avaliação sistemática do seu impacto."
Para "Estimular a concorrência, garantir a regulação", o novo Governo defende que "Para a competitividade das empresas é importante fomentar o desenvolvimento de uma cultura de concorrência assente em "regras do jogo" claras, transparentes e iguais para todos. Importa, para tanto, assegurar uma aplicação estrita da legislação da concorrência.
As empresas portuguesas enfrentam uma desvantagem competitiva considerável em aspectos difíceis de ultrapassar no curto prazo. Por outro lado, o preço dos factores de produção é frequentemente mais elevado do que o suportado pelos seus concorrentes, como sucede com a energia ou as comunicações. Nestes sectores, importará promover uma maior concorrência, nomeadamente através da remoção gradual de barreiras à entrada de produtores mais eficientes e, também, por via da correcção de posições dominantes de incumbentes. Destas medidas, poder-se-á esperar uma redução do preço dos factores resultante de uma maior possibilidade de escolha pelos utilizadores, aproximando-o, assim, dos padrões aplicáveis aos seus concorrentes noutros países.
O reconhecimento da superioridade do mercado como forma de organização da economia subentende, porém, a existência de mecanismos que zelem pelo seu adequado funcionamento concorrencial, prevenindo monopólios e posições dominantes, gerando eficiência no interesse da economia nacional e garantindo, também, os direitos dos consumidores. Os interesses dos consumidores, aliás, devem merecer uma atenção crescente nas prioridades das entidades reguladoras.
O correcto funcionamento do mercado não dispensa, pois, sobretudo nos domínios mais sensíveis, designadamente quando está em causa a prestação de serviços essenciais, uma regulação independente, forte e eficaz. É preciso evitar, por meio de regras de transparência e incompatibilidade rigorosas, que as entidades reguladoras sejam "capturadas" pelos interesses regulados. Mas é necessário, também, reforçar-lhes os meios e aperfeiçoar os seus poderes de intervenção.
Para efeitos da melhoria do sistema de regulação, será promovido um procedimento sistemático de "Avaliação do impacto da regulação", numa lógica de ponderação custo-benefício. Este procedimento considerará, também, as eventuais alternativas para melhor atingir os objectivos das políticas públicas"
Por vez e para "Melhorar a governação societária", afirma-se que "A melhoria dos sistemas de governação societária (corporate governance) é uma das prioridades para uma economia moderna, dinâmica, inovadora e competitiva. A promoção de uma cultura empresarial assente em critérios de maior rigor e transparência pode contribuir decisivamente para o reforço da fiabilidade quer dos modelos de gestão das empresas, quer da informação que prestam sobre a sua situação financeira.
Para uma qualificação da governação societária têm sido particularmente valorizadas iniciativas tendentes a: melhorar a qualidade e fiabilidade da informação financeira sobre a empresa por via de melhores normas contabilísticas; reforçar a independência dos auditores, melhorar as normas de auditoria e sujeitar a sua actividade a um sistema público de supervisão e controlo de qualidade; definição de processos de nomeação e composição dos orgãos de gestão societária que garantam uma representação equilibrada dos interesses envolvidos e uma fiscalização independente; adoptar políticas de remuneração dos gestores que promovam a prossecução dos interesses das empresas na gestão; estabelecer sistemas de controlo interno para uma efectiva verificação dos procedimentos adequados de produção de informação financeira, de modo a prevenir situações de conflito de interesses; fomento da responsabilidade social das empresas; criar mecanismos e procedimentos, tirando partido das novas tecnologias, de forma a melhorar os canais de informação para o mercado e a facilitar a participação dos accionistas na vida da empresa.
O Estado, pela posição que ainda ocupa em importantes empresas, deve ser um exemplo catalisador da adopção de boas práticas de governação societária, tendo em vista a definição de um quadro de gestão que fomente o rigor, que responsabilize os responsáveis e promova uma maior transparência da sua acção. O Estado, deste ponto de vista, é um accionista como os demais e deve reger a sua actividade dentro do quadro normativo vigente.
No âmbito das empresas privatizadas, ou em vias de privatização, as regras a adoptar devem ser as aplicáveis às empresas cotadas. Quanto às empresas do Sector Empresarial do Estado (SEE) não abertas ao mercado, o Estado deverá integrar, com os devidos ajustamentos, as regras de Corporate Governance aplicadas às sociedades cotadas no mercado regulamentado. O Estado deverá também, como accionista, fomentar uma relação contratualizada com a administração destas empresas, através da definição clara das responsabilidades assumidas pelo accionista e pela administração, abstendo-se de se imiscuir na gestão corrente. Desta forma, as administrações disporão de um quadro claro de referência para a gestão das empresas, sendo possível uma efectiva responsabilização dos administradores quanto ao sucesso ou insucesso da sua acção."

luni, martie 21, 2005

Empréstimo Mercantil - Supremo Tribunal de Justiça (PT)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 04B4067
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: ACTO COMERCIAL - EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - EMPRÉSTIMO MERCANTIL - FIANÇA - FIADOR - SOLIDARIEDADE - SUB-ROGAÇÃO
Na presente acção ordinária a autora A, Sociedade Financeira para Aquisição a Crédito, SFAC, SA pede que os réus B -Representações e Comércio, Ldª, "C", Ldª, D e mulher E sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 1.777.676$00, com juros de mora vencidos até 7/12/1993 no montante de 963.646$00 e vincendos, à taxa de 26%, até integral pagamento, alegando que:
--por contrato de mútuo com fiança, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) concedeu à 1ª ré um empréstimo de 1.880.000$00, destinado à aquisição à 2ª ré de uma viatura automóvel;
--o empréstimo deveria ser reembolsado, capital e juros, em 12 prestações trimestrais iguais e sucessivas;
--a autora, bem como os 2º, 3º e 4º réus e o F-Veículos e Máquinas, SA constituíram-se fiadores e principais pagadores do que à Caixa viesse a ser devido em capital, juros e demais encargos;
--a 1ª ré não pagou as prestações que se venceram em 7/11/91, 7/2/92, 7/5/92, 7/8/92, 7/11/92, 7/2/93, 7/5/93 e 7/8/93, sendo certo que a CGD debitou tais prestações à fiadora F, que as pagou e, por sua vez, as debitou à autora, que as pagou;
--do valor total das prestações que foram pagas pela autora apenas foi pago pela 1ª ré o montante de 12.799$00, que foi imputado ao saldo em dívida da prestação vencida em 7/11/91;
--ficou acordado que, em caso de incumprimento, a autora poderia exigir da 1ª ré ou de qualquer dos outros réus a totalidade das importâncias em dívida;
--a autora e o F são sociedades do Grupo ...: a 1ª a sua sociedade financeira e a 2ª o importador das viaturas;--o 3º réu é o sócio gerente da 1ª ré;
--a fiança das duas empresas do grupo destina-se a garantir o cumprimento do contrato perante a CGD e a fiança prestada pelos 2º, 3º e 4º réus destina-se a garantir o cumprimento do contrato perante as empresas do grupo F.
A autora desistiu do pedido contra a "C", Ldª, desistência que foi devidamente homologada por sentença.Os restantes réus contestaram, alegando que, embora sendo verdade não ter a 1ª ré efectuado o pagamento das prestações vencidas e referidas na petição inicial à CGD, pagaram à autora o valor total de 1.350.000$00, por ela não contabilizados para abatimento das prestações por ela pagas à CGD.
Respondeu a autora no sentido de assistir razão aos contestantes mas apenas no que concerne ao cálculo dos juros, em consequência do que reduziu o pedido dos juros vencidos para 404.750$00.
Realizado o julgamento, a acção foi julgada totalmente improcedente, mas a Relação de Lisboa, concedendo parcial provimento à apelação dela interposta pela autora, alterou a sentença no sentido de manter a absolvição dos réus D e E e condenar a B a pagar à autora a quantia de 8.867,01euros (=1.777.676$00), com juros de mora desde a data do pagamento da autora ao F até efectivo e integral pagamento e «contados meramente à taxa de juro legal civil, visto que a operação de fiança não revestiu natureza comercial para a autora e a 1ª ré».
É deste acórdão da Relação que a autora pede agora revista, resumindo-se as suas conclusões ao seguinte:
1. Discorda-se da qualificação do mútuo como civil, pois que se está perante uma operação de banca - empréstimo da Caixa Geral de Depósitos - têm aplicação os artigos 2º e 362 do Código Comercial;
2. Por força do artigo 99 do mesmo Código, ainda que o acto seja unilateralmente comercial será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes;
3. Sendo mercantil a fiança o regime a considerar é o da solidariedade, por força do disposto no artigo 101 do C. Comercial, devendo aplicar-se o nº1 do artigo 650 do Código Civil;4. Assim sendo, o devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir, tem, segundo o artigo 524 ex vi artigo 650, nº1, ambos do CCivil, direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que lhes competir;5. Aceita-se, como já se alegou na petição inicial, que a autora, no confronto com os demais fiadores, apenas deles pode exigir o valor proporcional à sua quota parte (1/5), pelo que deverão os 3º e 4º réus serem condenados ao pagamento à autora da quinta parte da dívida que subsistir (haverá que deduzir eventuais pagamentos feitos pela B);
6. Mesmo que, por mera hipótese, se considere o mútuo como civil, não se pode ignorar a fixação contratual dos juros de mora, com respeito pelos limites estabelecidos pelo nº2 do artigo 1146 do Código Civil.
Não houve contra-alegação.Corridos os vistos, cumpre decidir.
Para a solução do recurso relevam os seguintes factos provados:1ºA autora é uma sociedade financeira para aquisições a crédito;2ºA autora, os réus, a CGD e o F subscreveram o escrito particular denominado Contrato de Mútuo com Fiança, junto de fls. 7 a 10, nos termos do qual a CGD concedeu à 1ª ré, que aceitou, um empréstimo no montante de 1.800.000$00;3ºTal empréstimo destinou-se à aquisição pela 2ª ré de uma viatura Nissan, modelo Cabstar 3.5, com a matrícula UF e que deveria ser reembolsado, capital e juros, em 12 prestações trimestrais, iguais e sucessivas;4ºA autora, bem como a 2ª e os 3º e 4º réus constituíram-se fiadores e principais pagadores do que à CGD viesse a ser devido em capital, juros e demais encargos;
5ºA 1ª ré não pagou as prestações que se venceram em 7/11/91, 7/2/92, 7/5/92, 7/8/92, 7/11/92, 7/2/93, 7/5/93 e 7/8/93, as quais totalizam 1.784.475$00, correspondendo às 5ª a 12ª prestações;6ºA CGD debitou estas prestações ao F, que as pagou, tendo-as debitado à autora, que as pagou ao F;7ºA autora pagou ao F 1.790.475$00, correspondentes às prestações e a despesas de portes e expediente.
Definitivamente decidido que a autora, ora recorrente, tem direito, como fiadora do contrato de mútuo em causa, a haver da devedora/mutuária, a 1ª ré B, o montante peticionado e juros, temos para resolver duas questões:
--se os dois réus D e E -- confiadores do contrato, juntamente com o F, a 2ª ré, C (relativamente a quem houve desistência do pedido) e a autora -- devem também ser condenados a pagar a esta o valor proporcional da sua quota parte (1/5) da dívida que subsistir;
--se a contabilização dos juros deve ser feita à taxa contratada e não, conforme decidiu o acórdão recorrido, à taxa legal civil.
A resposta a estas duas questões está na qualificação que se fizer do contrato de mútuo em causa:--ou civil, como decidiu o acórdão;--ou comercial, como defende a recorrente.
Invocando o disposto no artigo 394 do Código Comercial - «Para que o contrato de empréstimo seja havido por comercial é mister que a cousa cedida seja destinada a qualquer acto mercantil» - e a falta de prova de que a quantia mutuada foi destinada a acto de comércio, concluiu o acórdão sob recurso que o mútuo tem natureza civil, pelo que, não tendo a recorrente excutido previamente os bens da devedora (a 1ª ré), «não estão reunidos todos os pressupostos fácticos para que se possa reconhecer o seu direito de regresso contra os demais fiadores.».
Acontece, porém, que estamos perante um financiamento através de empréstimo bancário, ou seja, uma operação bancária integrável, por isso, na previsão do artigo 362 do referido Código, segundo o qual são comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de crédito, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador.
Estamos, portanto e sem dúvida, perante um empréstimo que é objectivamente um acto de comércio, pois que assumem essa natureza «todos os empréstimos feitos por um banco, ainda que não sejam destinados a actos mercantis» -- Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, II-458 e J. G. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 3ª ed., I-66.
Daí que se lhe aplique, na relação entre os confiadores - como é a questão em discussão - o disposto nos artigos:--100 e 101 do Código Comercial, onde se estabelece a regra da solidariedade;
--650, nº1 do Código Civil, segundo o qual, havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores;
--524 do Código Civil, segundo o qual o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe compete tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
Ou seja e como bem sintetiza Abílio Neto, Código Civil Anotado, 14ª edição, página 745:«...Se os fiadores forem solidários, o que pagar fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e fica também sub-rogado, de harmonia com as regras das obrigações solidárias (arts.524º e ss.), nos direitos do credor contra os seus confiadores. A sub-rogação nos direitos do credor contra os confiadores só existe na medida do direito de regresso do solvens contra os seus confiadores, tal como nos demais casos de obrigação solidária.».
Consequentemente assiste toda a razão à recorrente quando - numa redução do pedido perfeitamente legal e atempada, atento o nº2 do artigo 273 do Código de Processo Civil -- pretende ver condenados os 3ºe 4º réus a pagarem-lhe a 5ª parte (são cinco os fiadores e funciona a presunção da igualdade de comparticipação estabelecida no artigo 516 do Código Civil) da dívida que subsistir, no caso de a devedora, a 1ª ré, não vier a pagar a totalidade dela.
Ainda por ser um empréstimo comercial é óbvio que a condenação em juros deverá respeitar a taxa da operação bancária contratada (26%).
DECISÃOPelo exposto concede-se a revista e altera-se o acórdão recorrido no sentido de se julgar procedente a acção, em consequência do que se condenam:
a)a ré B-Representações e Comércio, Ldª a pagar à autora a quantia de 8.867,01euros (equivalente aos peticionados 1.777.676$00), acrescida de juros de mora, à taxa de 26%, desde a data do pagamento da autora ao F;
b)os réus D e E a pagar à autora o que subsistir (por eventual falta de pagamento pela B) da dívida referida em a), e, relativamente a cada um destes dois réus, até ao limite de 1/5 dessa mesma dívida.Custas, em todas as instâncias, pelos réus na proporção das respectivas responsabilidades.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2005
Ferreira Girão, Luís Fonseca, Lucas Coelho

Deliberação Social - Supremo Tribunal de Justiça (PT)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 04B4575
Relator: Neves Ribeiro
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL - INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA - SOCIEDADE - ACÇÃO - RÉU - GERENTE - INDEMNIZAÇÃO - PEDIDO - CADUCIDADE DA ACÇÃO
I
Razão da revista e fundamentos que a suportam1. "A", LD.ª intentou, no Tribunal de Aveiro, em 24.02.03, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B, pedindo a condenação do Réu ao pagamento da quantia de € 236.924,29, acrescida de juros de mora já vencidos, no montante de € 82.923,48, e dos vincendos, até integral e efectivo pagamento.
A sociedade Autora alegou para o efeito, em síntese, o seguinte:- São seus sócios, o Réu, C (pai do Réu) e D, este já falecido;- O objecto social da Autora consiste no exercício da actividade de despachante oficial, tendo o Réu sido investido no cargo de gerente, em 19.12.91, aí se mantendo até 19.07.96;- No dia 18.07.98, realizou-se uma assembleia geral da sociedade, constando da ordem de trabalhos, entre outros assuntos «discutir e deliberar sobre a propositura de acção (civil e criminal) contra o, ora Réu, pela prática, durante o exercício das suas funções de gerente, de vários factos que determinaram prejuízos para a sociedade, bem como a exclusão do Réu da sociedade e amortização da sua quota que estava penhorada».
- Todos os pontos da ordem de trabalhos foram aprovados por unanimidade;
- O Réu requereu, com êxito, a providência cautelar de suspensão da deliberação social e, no prazo legal, intentou a acção de anulação correspondente.
- Por falta de impulso processual da dita acção, foi a instância interrompida, por despacho de 20.10.2000, verificando-se posteriormente, decorridos 2 anos, a deserção da instância;
- Extinta a instância da acção de anulação de deliberação social, e tendo caducado a suspensão da deliberação social, nada obsta a que a Autora intente a acção de responsabilidade a que alude o artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais;
- Por diversas irregularidades, que a Autora identifica na petição, o Réu, no exercício das suas funções de gerente, e em proveito próprio, lesou a sociedade Autora, na quantia de € 236.924,29 (equivalente a 47.499.056$70).
2. No que ora interessa, o Réu contestou por excepção, invocando a caducidade do direito accionado pela sociedade Autora, em virtude de a acção de responsabilidade ter sido proposta, muito para além do prazo de seis meses, a contar da deliberação, em desrespeito pelo art. 75, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais.
3. Dir-se-á ainda que, no despacho de saneamento do processo, absolveu-se o réu do pedido por se julgar procedente a excepção de caducidade da acção.
E, na apelação que a autora lhe levou, a Relação de Coimbra decidiu julgar improcedente a excepção de caducidade, uma vez que considerou, contra a decisão da Primeira Instância, que a acção de responsabilidade foi instaurada em tempo, determinando, por isso, o prosseguimento do processo. (Fls. 277 verso / 278).
4. Daí a revista, interposta pelo réu que, na parte útil à economia do objecto a conhecer, fundamenta do modo que segue:
- o direito de acção extinguiu-se por caducidade, por força da aplicação do disposto na alínea b), do n.º 1 do Art.º 389º do Código de Processo Civil.
- Efectivamente, foi ordenada a remessa do processo principal à conta, nos termos do disposto no artigo 51 do Cód. das Custas Judiciais, por negligência do Recorrente em promover os termos da acção principal, por período superior a 30 dias.
- A Recorrida teve conhecimento, pelo menos, em 25 de Outubro de 1999, ou em 26 de Outubro de 2000, quando, pela mesma razão, foi declarada a interrupção da instância, o que, igualmente foi, do conhecimento imediato da Recorrida. (Conclusões IV e V).
- Logo, seja como for (considere-se qualquer daquelas datas) quando, em 24 de Fevereiro de 2003, foi proposta a acção, esgotara-se havia muito, o já citado prazo legal de seis meses, previsto pelo artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, para a sua propositura, assim tendo caducado o direito da Recorrida de accionar o Recorrente. (Conclusão VI).
- Assim não se entendendo, o Acórdão recorrido violou as disposições legais dos artigos, 75 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais e 389 b), do Código de Processo Civil, devendo revogar-se o Acórdão recorrido, e, em seu lugar, manter-se a Decisão de 1.ª Instância que declarou a caducidade da acção.(Conclusão VII).
II
A questão a resolver e o direito que se lhe aplica

1. A questão jurídica a resolver consiste em saber se, o direito de acção de onde emerge o presente recurso, havia caducado, à data da sua instauração, em 24 de Fevereiro de 2003 ( fls. 2, 1º volume).Vejamos para isso os factos mais relevantes:
2. O réu requereu com sucesso, a suspensão da deliberação da Assembleia Geral da sociedade autora, realizada no dia 18 de Julho de 1998, que havia sido regularmente convocada para tratar de vários assuntos que especificava na ordem de trabalhos, nomeadamente, entre eles:
- Discutir e deliberar sobre a propositura de acção (civil e criminal) contra o sócio B pela prática durante o exercício das funções de gerente dos seguintes factos:
a) Prestação de aval em negócio estranho ao objecto social à firma "E", Lda em letra sacada por "F", S.A., obrigação já resgatada pela actual gerência pelo valor de 14.553.021$70, no âmbito do processo de execução que correu termos pelo 3° juízo da Comarca de Aveiro;
b) Transferência da quantia de 3.200 contos, não autorizada, da conta da sociedade no BCP para a "E", L.da;
c) Transferência da conta bancária da sociedade no BCP e no BNU, no valor de 20.000 contos para a conta pessoal do sócio visado, ocorrida em Fevereiro de 1995;
d) Levantamento de cheques sobre contas da sociedade no montante de vários milhares de contos, de utilização não identificada;
e) Apropriação de bens móveis e do veículo automóvel Alfa Romeo que utiliza em proveito próprio desde Junho de 1996;Discutir e deliberar, atenta a gravidade dos factos, acima enumerados sobre a exclusão da sociedade do sócio visado B.reproduzido)....».A deliberação correspondente foi votada favoravelmente, no que respeitava à " propositura de acções (civis e criminais) contra o sócio B" - o ora recorrente.
Então, este, intentou uma providência cautelar de suspensão da deliberação social assim tomada, tendo sido decretada judicialmente a suspensão do deliberado.
Por falta de impulso processual, a dita acção (diga-se: o processo) de anulação de deliberação social "foi remetida" à conta e, posteriormente, declarada interrompida a instância por despacho proferido em 26 de Outubro de 2000.
3. Por palavras mais claras, decorre do exposto, que o recorrente pediu, com êxito, a suspensão da deliberação social ao tribunal de Aveiro, e, depois, instaurou, no mesmo tribunal, a acção consequente para anulação daquela deliberação social (processo n. 514/98).
Sucedeu que a instância anulatória veio a ser considerada interrompida e, como tal, judicialmente declarada, por despacho de 26 de Outubro de 2000.
Depois, foi declarada extinta, por deserção, decorridos que foram dois anos sobre a interrupção, e tal como determina o artigo 291 n. 1, do Código de Processo Civil.
{Observe-se entretanto, que o relator, por considerar de relevo para a decisão [artigos 700 n. 1, alínea, a) e por similitude com o artigo 265º, ambos do Código de Processo Civil], solicitou ao tribunal de Aveiro, certidão da notificação das partes, relativamente á interrupção da instância, em causa, destinada à anulação da deliberação social que responsabilizava e destituía o gerente (aqui réu/recorrente)}.
Junta a certidão (fls. 324), nela se lê que «o despacho que declarou interrompida a instância na acção n.º 514/98, em que é autor B, e ré, "A", L.da, foi notificado aos mandatários das partes em 28 de Outubro de 2000"».Tanto basta para verificar que a acção donde emerge este recurso é tardia.O direito subjectivo público á acção que se pretende exercitar, tinha caducado à data da propositura do processo que lhe daria corpo, e donde provem este recurso.
4. É o que vamos explicar agora:A lei diz, por um lado:
a):«O procedimento cautelar extingue-se, e, quando decretada, a providência cautelar caduca... se, proposta a acção, o processo estiver parado por mais de 30 dias, por negligência do requerente». [Artigo 389 n. 1, alínea b), do Código de Processo Civil].
b) Por outro:«A acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende da deliberação dos sócios" e deve ser tomada no prazo de seis meses a contar da referida deliberação"». (Artigo 75 n. 1 do Código das Sociedade Comerciais).
5. Chamando "à razão da lei", que acaba de transcrever-se, os factos pertinentes, e já indicados no ponto 2, verificamos que a sociedade autora, deixou de estar impedida de propor a acção declarativa de responsabilidade contra o réu, e a que reporta o artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo menos, a partir da sua notificação da interrupção da instância, em 28 de Outubro de 2000, data devidamente certificada, como dissemos.
A partir dessa data não havia qualquer obstáculo legal ou estatutário que impedisse a autora de instaurar a acção, por pedido indemnizatório pela alegada conduta ilícita do réu ( fls. 16, 1º volume; e ponto 1, Parte I).
Estava colocada em condições objectivas de o poder accionar, pois a providência cautelar que condicionava, impedindo, a instauração desta acção, tinha deixado de ser impedimento, porque havia caducado, pela inércia do aí, requerente/autor -inércia dada a conhecer atempadamente à ré (ora autora), com o texto explicativo da própria decisão, como vem também certificado.
Com o que se quer dizer que, tendo a presente acção sido instaurada em 24 de Fevereiro de 2003, há muito que estava esgotado o prazo, de seis meses, mencionado no transcrito artigo 75 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, para o exercício da acção civil pretendida. E pretendida pela deliberação social descrita nos pontos 2 e 3, por cuja definitividade se aguardava, como condição da propositura da acção indemnizatória donde emerge esta revista!
Caduca a providência cautelar da suspensão da deliberação, conforme assinalado na alínea b) transcrita - e feita a notificação ao autor - estava o caminho aberto para ele poder propor a acção de indemnização.
Na solução da decisão recorrida - e com o devido respeito - não teria qualquer lógica, ou sentido razoável (nem se afigura de bom senso!) forçar-se o autor à espera da declaração judicial de deserção, dois anos mais tarde! E só nessa altura vir accionar o réu!Parece-nos um caminho que a lei não deve comportar!
6. Termos em que, sem necessidade de maiores explanações, se concede provimento à revista, revogando-se a decisão recorrida, ficando a subsistir a decisão de 1ª instância que considerou caduco o direito de acção, a exercer através do processo donde emerge o presente recurso. Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2005
Neves Ribeiro, Araújo Barros, Oliveira Barros.

miercuri, martie 16, 2005

Conflito de Competência em Processo de Falência - Superior Tribunal de Justiça (BR)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AUTOR: SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: PEDRO HENRIQUE MENEZES NAVES E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM
EMENTA
Processo civil. Competência. Conflito positivo. Pedidos de falência e de concordata preventiva. Principal estabelecimento. Centro das atividades. Competência absoluta. Prevenção. Juízo incompetente. Sentença de declaração de falência prolatada por juízo diverso daquele em que estava sendo processada a concordata. Pedido de falência embasado em título quirografário anterior ao deferimento da concordata. Nulidade da sentença.
- O juízo competente para processar e julgar pedido de falência e, por conseguinte, de concordata é o da comarca onde se encontra "o centro vital das principais atividades do devedor", conforme o disposto no art. 7º da Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661⁄45) e o firme entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema.
- A competência do juízo falimentar é absoluta.
- A prevenção prevista no § 1º do art. 202 da Lei de Falências incide tão-somente na hipótese em que é competente o juízo tido por prevento.
- Constatado que a falência foi declarada pelo juízo suscitado enquanto processada a concordata em outro juízo e, ainda, que o título quirografário que embasou o pedido de falência era anterior ao deferimento da concordata, impõe-se anular essa sentença que declarou a falência.
- Conflito conhecido, declarada a competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM, anulados os atos decisórios praticados pelo Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP e a sentença de declaração de falência proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler, conhecendo do conflito e declarando competente a 4ª Vara Cível de Manaus, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito e o voto do Sr. Ministro Barros Monteiro, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, a Seção, por unanimidade, conheceu do conflito, e, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Barros Monteiro, declarou competente a 4ª Vara Cível de Manaus em relação às duas empresas e decretou a nulidade do decreto falencial proferido pelo Juiz de Manaus, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Na preliminar, os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Ari Pargendler, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora. No mérito, os Srs. Ministros Castro Filho, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Ari Pargendler, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (art. 162, § 2º, do RISTJ).
Brasília (DF), 11 de junho de 2003(Data do Julgamento)



MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora


CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
AUTOR: SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: PEDRO HENRIQUE MENEZES NAVES E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se do conflito positivo de competência entre o Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP, suscitante, e o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM, suscitado, com o objetivo de definir a competência para julgar e processar pedidos de concordata preventiva e de falência da Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e da Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos.
Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos, sediada na Alameda Rio Claro n. 241, São Paulo – SP, e Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos, sediada na Rua Acará n. 200⁄203, Manaus – AM, ingressaram com ação em 24⁄03⁄2000, perante o Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP, com pedido de concordata preventiva. Em 28⁄08⁄2000, foi determinado o processamento da concordata preventiva.
Posteriormente, o Laboratório de Análises Clínicas Dr. Costa Curta propôs ação, perante o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM, com pedido de declaração de falência da Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos, julgado procedente em 14⁄02⁄2002. Em 12⁄08⁄2002, o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM estendeu os efeitos dessa falência às sociedades Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e Sid Informártica S⁄A.
Sob o fundamento de incidência do disposto nos arts. 154 e 202, § 1º, do Decreto-Lei n. 7.661⁄45 (Lei de Falências), o Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP entendeu que se firmou a sua competência, e suscitou o presente conflito positivo de competência.
Ante o perigo de proferimento de decisões contraditórias, determinei os sobrestamentos dos citados processos, e designei para resolver as medidas urgentes, em caráter provisório, o Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP.
Solicitadas informações, o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM sustenta ser Manaus a cidade onde está o centro das atividades industriais das sociedades empresárias envolvidas no presente conflito de competência.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM.

É o relatório.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO
A discussão no presente conflito de competência consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar os pedidos de falência e de concordata da Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e da Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos.
Inicialmente, impõe-se constatar onde está localizado o "principal estabelecimento" das sociedades empresárias envolvidas no presente conflito de competência (I).
Na hipótese de se considerar localizado esse "principal estabelecimento" na cidade de Manaus – AM, mostra-se necessário decidir sobre eventual prevenção do Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP (II).
Por último, deve ser examinada a validade dos atos praticados pelos juízes conflitantes (III).
I - Do "principal estabelecimento" das sociedades empresárias envolvidas no presente conflito de competência:
O disposto no art. 7º da Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661⁄45) determina que "é competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil".
Esse mesmo diploma legal, no seu art. 156, caput, determina que o requerimento de concordata preventiva deve ser feito ao juiz competente para decretar a falência.
Impõe-se delimitar, então, o conceito de "principal estabelecimento", cujo termo técnico-jurídico "estabelecimento" vem ganhando díspares significados ao longo do tempo.
Se, atualmente, o estabelecimento é considerado "todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou sociedade empresária", nos termos do art. 1.142 do Código Civil de 2002, em tempos passados era diverso o significado de "estabelecimento".
À época da elaboração da vigente Lei de Falências, o termo "estabelecimento" estava relacionado com determinado espaço físico, e assim deve ser interpretada a expressão "principal estabelecimento".
Ensina Carvalho de Mendonça:
"Principal estabelecimento é o lugar onde o devedor, comerciante ou sociedade anônima, centraliza a sua atividade e influência econômica; onde, todas as suas operações recebem o impulso diretor; onde, enfim, se acham reunidos normal e permanentemente todos os elementos constitutivos do seu crédito. É, em resumo, o lugar da sede da vida ativa, o lugar onde reside o governo dos negócios do devedor" (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Vol. VII, Livro V, 4ª edição, Livraria Editora Freitas Bastos: São Paulo, 1946).
O Superior Tribunal de Justiça, em harmonia com a doutrina de Carvalho de Mendonça, firmou o entendimento de que "'estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada', não sendo, de outra parte, 'aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor'" (CC n. 32.988⁄RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ: 04⁄02⁄2002).
Dentre vários outros nesse sentido, registrem-se ainda: CC n. 27.835⁄DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ: 09⁄04⁄2001; e CC n. 1.930⁄SP, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ: 25⁄11⁄1991.
Na espécie, ainda que a Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e a Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos tenham sedes em cidades diversas (São Paulo – SP e Manaus – AM, respectivamente), após identificado o "centro das atividades" das sociedades em exame, a discussão a respeito das localidades dessas sedes dessas mostra-se irrelevante para o deslinde da controvérsia.
Os elementos existentes no processo não deixam dúvidas de que é Manaus a cidade onde se situa o "centro das atividades" das sociedades empresárias envolvidas no presente conflito.
Urge relevar o fato de que determinada sociedade empresária, para conseguir benefícios fiscais compreendidos no âmbito da denominada Zona Franca, deve ter sua atividade centralizada no Estado do Amazonas.
Assim, a atividade produtiva das empresas em exame e a maior parte do correlato patrimônio encontravam-se em Manaus.
Registre-se que a Lei Estadual n. 1.939⁄89, dentre outras, exige que a sociedade empresária mantenha a sua "administração, inclusive a contabilidade, no Estado de Amazonas" (art. 19, VII), o que ocorre na espécie no tocante à Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos.
Outrossim, é em Manaus, por exemplo, onde se encontra o parque industrial das sociedades empresárias em exame, razão de existência dessas. Por conseguinte, Manaus abarca também a maioria dos trabalhadores das referidas sociedades.
Pertinente, destarte, a observação da Massa Falida, por meio do parecer do Dr. Flávio Luiz Yarshell, de que, "quer se analise a questão sob o ângulo de liquidação de patrimônio, quer especialmente se veja o cenário sob o prisma de eventual retomada de atividades, é na Comarca de Manaus que a função estatal melhor, mais racional e eficientemente será prestada" (fl. 1.118).
Portanto, evidencia-se a competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM, ora suscitado.
II - Da inexistência de prevenção:
O Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP suscitou o presente conflito positivo de competência sob o entendimento de ser competente para o julgamento das ações ora em discussão em decorrência de a propositura da anterior ação com pedido de concordata preventiva ter acarretado a sua prevenção para o julgamento do posterior pedido de falência.
Ocorre que a competência do juízo falimentar é absoluta, motivo pelo qual não há de se falar nessa prevenção de juízo incompetente.
Conforme já observado pelo Exmo. Min. Costa Leite no julgamento do CC n. 21.775⁄DF (DJ: 04⁄06⁄2001, Rel. Min. Bueno de Souza), em hipótese semelhante, "só se poderia falar em prevenção no mesmo território".
A prevenção prevista no § 1º do art. 202 da Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661⁄45), portanto, incide tão-somente na hipótese em que o pedido foi distribuído para o juízo competente, o que, conforme observado, não ocorreu na espécie.
III - Da validade dos atos processuais praticados:
Em observância ao disposto no art. 122, caput, do CPC, impõe-se anular os atos decisórios praticados pelo Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP, absolutamente incompetente.
Constatado que a falência foi declarada pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM enquanto processada a concordata em outro juízo, e ainda que o título quirografário que embasou o pedido de falência era anterior ao deferimento da concordata, por economia e celeridade processuais, impõe-se reconhecer desde logo também a nulidade da sentença que declarou a falência.
Forte em tais razões, CONHEÇO do conflito para anular os atos decisórios praticados pelo Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP e a sentença de declaração de falência proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM, e para declarar a competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM para processar a concordata e apreciar o pedido de falência.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AUTOR: SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Sr. Presidente, a mim me parece que o corpo de uma empresa pode se assemelhar ao corpo humano, dotado de alguns órgãos vitais, como o coração, o pulmão e o cérebro. Na empresa, o importante é levar em consideração o cérebro e, pelo que nos expôs a ilustre Ministra-Relatora, parece-me que, realmente, o cérebro está em Manaus, razão pela qual a acompanho.
Conheço do conflito para declarar competente a 4ª Vara Cível de Manaus para processar e julgar o pedido de falência.
Ministro CASTRO FILHO
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2002⁄0155087-3
CC 37736 ⁄ SP
Número Origem: 532617

EM MESA
JULGADO: 09⁄04⁄2003

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES FILHO

Secretária
Bela. HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA

AUTUAÇÃO

AUTOR: SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM

ASSUNTO: Comercial - Concordata - Preventiva - Crédito

SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentou oralmente, pela interessada, a Dra. Lorena de Castro Abreu e Silva.
CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra-Relatora, conhecendo do conflito e declarando competente a 4ª Vara Cível de Manaus, no que foi acompanhada pelo Sr. Ministro Castro Filho, pediu VISTA o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Aguardam os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Ari Pargendler, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 09 de abril de 2003



HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA
Secretária

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AUTOR: SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM
EMENTA
Competência. Falência. Pedido de concordata deferido. Trânsito em julgado. Decreto-lei nº 7.661⁄45, art. 7º. Estabelecimento principal. Conceito.
I. - A decisão que deferiu o processamento de concordata preventiva e contra a qual não houve impugnação, transitada em julgado e não desconstituída pela via própria, não pode simplesmente ser ignorada por Juiz de outra Comarca, que, posteriormente, decreta falência da empresa. Decreto-lei nº 7.661⁄45, art. 4º, V. Ofensa. Caracterização.
II. - O Foro competente para apreciar pedido de falência é o do juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento (art. 7º da Lei Falimentar) e este não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal, mas o local onde se fixa a chefia da empresa, onde efetivamente atua o comando dos negócios, onde se procedem as operações comerciais e financeiras de maior vulto, em outras palavras, onde está 'o centro vital das principais atividades comerciais do devedor' (STF - CJ nº 6.025-SP).
II. - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo — SP, suscitante.

VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Cuida-se de conflito positivo de competência suscitado pelo Juiz de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo — SP, em face do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus — AM, em que o primeiro se deu por competente para processar e julgar pedido de concordata preventiva e o último pedido de falência da Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e da Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos.
A eminente Ministra Nancy Andrighi afastou a alegada prevenção do Juízo suscitante e declarou competente o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus — AM, suscitado.
Duas são as questões levantadas pelo Juízo suscitante:
1º)- Se havendo pedido de concordata preventiva anterior à citação no pedido de falência, pode esta ser decretada;
2º)- Qual o Juízo competente para apreciar ambos os pedidos.
Conforme se verifica dos autos, a Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e a Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos impetraram pedido de concordata preventiva em 24⁄3⁄2000 (fls. 07⁄17), cujo processamento foi deferido em 28 de agosto de 2000 (fls. 18⁄23). Segundo afirma o suscitante, a referida decisão foi aceita pelos credores em geral, que não opuseram resistência (fls. 03).
O art. 4º do Decreto-lei 7.661, de 21⁄6⁄1945, dispõe:
"Art. 4º. A falência não será declarada, se a pessoa contra quem for requerida, provar:
(.............................)
V- requerimento de concordata preventiva anterior à citação".
Portanto, o primeiro ponto a ser examinado é se, estando em curso a concordata, já com o respectivo processamento deferido, pode outro juízo, de comarca diversa, acolher pedido de falência da concordatária.
No caso dos autos, o deferimento do pedido de concordata preventiva não sofreu qualquer impugnação. Portanto, transitou em julgado.
Entendeu a eminente Relatora deste conflito que os atos praticados pelo Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo não eram de sua competência, daí não poder se falar em prevenção para o posterior pedido de falência.
Ocorre que o pedido de concordata foi deferido pelo Juízo de São Paulo, e transitou em julgado ante a ausência de qualquer recurso a decisão que o acolheu.
Assim, o deferimento do processamento da concordata produziu e continua produzindo todos os efeitos legais até ser desconstituído. É de se salientar que, ainda que se reconheça proferida a decisão por juiz incompetente, o que não me parece, in casu, como adiante se verá, os atos por ele praticados devem ser considerados válidos até serem desconstituídos pela via própria.
Teresa Arruda Alvim Wambier, em seu "Nulidades do Processo e da Sentença", afirma que "as nulidades do direito privado devem ser declaradas; as das sentenças, a nosso ver, necessitam ser desconstituídas" (In RT, 4ª ed., pág. 379⁄0).
Recebi diversos memoriais, um dos quais trazidos pelo eminente Dr. Eduardo Ribeiro, no qual salientou:
"Se a concordata poderia, ou não, processar-se em São Paulo, onde, consoante o Juiz que assim determinou, encontra-se o principal estabelecimento, não é tema que se expusesse a reexame por parte da Justiça do Estado do Amazonas. Trata-se de ato judicial que, enquanto não desconstituído, produzia todos os efeitos que lhe são próprios. Aos demais juízes cabe respeitá-lo.
A ter-se como aceitável o procedimento por que optou o digno suscitado, estaria instaurado o caos. Concordatas de uma mesma empresa poderiam, eventualmente, ser processadas em diversos foros. Pior ainda. Entendendo ser o competente, a um determinado juiz seria dado voltar a examinar pedido de falência, já em curso perante juízo de outra sede territorial, a fundamento de que sua a competência. Evidente que semelhante descalabro não se pode ter como admissível" (fls. 11 e 12 do parecer).
Existindo o deferimento do processamento da concordata preventiva anterior, não desconstituído pela via própria, é de ter-se em conta o disposto no art. 4º, inciso V, do Decreto-lei nº 7.661⁄45, no sentido de que a falência não será decretada se a pessoa contra quem for requerida, provar que houve requerimento de concordata preventiva anterior à citação. E isso foi feito nos autos.
Com o pedido de concordata deferido em agosto de 2000, e já em andamento, com incidentes decididos, foi comunicado àquele Juízo que a falência da Sharp do Brasil tinha sido decretada em 14⁄2⁄2002, portanto um ano e meio depois.
É de se salientar que, com o processamento da concordata, vários atos são deferidos pelo Juízo, entre eles a suspensão de ações ou execuções contra o devedor por créditos sujeitos aos efeitos da concordata, como disciplina o inciso II do art. 161 da Lei Falimentar.
Portanto, com a declaração da concordata, as ações e execuções ficaram suspensas.
Há outra peculiaridade no pedido de falência da Sharp do Brasil.
Segundo memorial do credor Société Générale - AGINTER, Agence Internationale, Service de Banque, habilitado o seu crédito nos autos do pedido de concordata preventiva, a falência foi requerida pelo Laboratório de Análises Clínicas Dr. Costa Curta Ltda, com fundamento em duplicatas não protestadas (fls. 23⁄42), no valor de pouco mais de seis mil reais. Além disso, tratava-se de crédito quirografário.
Mesmo que se tratasse de duplicatas protestadas, se o pagamento de tal crédito estava suspenso por força da decisão que determinou o processamento da concordata preventiva, a Sharp não poderia quitar o referido débito. Não se apresentava, pois, o título com o requisito da exigibilidade necessário para fundamentar o pedido de falência.
Havendo, portanto, pedido de concordata aceito, mediante decisão que não foi objeto de qualquer impugnação e, por conseguinte, com trânsito em julgado, não tendo sido desconstituída, não vejo como aceitar-se o pedido de falência sem ofender o art. 4º, V, do Decreto-lei nº 7.661⁄45.
Com toda procedência a argüição exposta no memorial do credor, verbis:
"De fato, ao admitir e deferir o pedido de concordata, o D. Juízo de Manaus ignorou completamente as regras processuais pertinentes, ao desconsiderar por completo os feitos da concordata, somente por afirmar que o juízo em que tramita seria incompetente. Isso porque, como sabido, os atos praticados por juízo incompetente não são inexistentes, mas no máximo nulos e, em processo, mesmo atos nulos produzem todos os seus efeitos até que tal nulidade seja declarada em sede própria (no caso, por meio de objeção que teria de ser apresentada no próprio Juízo de São Paulo). Em processo, como cediço, não há nulidades pleno iures, pois os atos processuais se revestem sempre, nulos ou não, do imperium do Estado e, por isso, têm presunção de legalidade.
Aliás, quem esclarece com maestria esse ponto é justamente a Nobílima Profª. Ada Pellegrini Grinover, cujo parecer foi encartado aos autos pela massa falida, em conhecida obra doutrinária, que "não se compadeceria com a natureza e fins públicos do processo a precariedade de um sistema que permitisse a cada qual das partes a apreciação da validade dos atos, podendo cada uma delas negar-se a reconhecê-los mediante a simples alegação de nulidade; abrir-se-ia caminho, inclusive, ao dolo processual das partes, diluindo-se sua sujeição à autoridade do juiz e pulverizando-se as garantias de todos no processo" (fls. 6, do citado memorial).
Não anulados os atos decisórios proferidos pelo Juízo de São Paulo, a Sharp e seus credores quirografários estão sujeitos aos efeitos da concordata preventiva aceita por aquele Juízo, mediante decisão não impugnada por qualquer recurso.
De outra parte, atento às funções desempenhadas pelo juiz no processo de falência, o legislador estatuiu:
"Art. 7º. É competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil".
Doutrina e jurisprudência tentam definir o que é "principal estabelecimento".
O Prof. Rubens Requião, após afirmar que não se leva em conta, para a definição desse conceito, a dimensão física dos estabelecimentos, conclui:
"Conceitua-se tendo em vista o local onde se fixa a chefia da empresa, onde efetivamente atua o empresário no governo ou no comando de seus negócios, de onde emanam as ordens e instruções, em que se procedem as operações comerciais e financeiras de maior vulto e em massa, onde se encontra a contabilidade geral"
(.................................)
A sede administrativa é, com efeito, o ponto central dos negócios, de onde partem todas as ordens, que imprimem e regularizam o movimento econômico dos estabelecimentos produtores. As relações externas, com fornecedores, clientes, bancos, etc., realizam-se por seu intermédio"
(In "Curso de Direito Falimentar", Ed. Saraiva, 17ª. ed., vol. I, pág. 93).
José da Silva Pacheco também entende que:
"Principal estabelecimento, para os efeitos do art. 7º da Lei de Falências, é o local onde a empresa tem o comando de seus negócios, o cérebro de suas decisões, onde o empresário, efetivamente, atua, realizando a política da empresa e as operações comerciais e financeiras de maior vulto"
("Processo de Falência e Concordata", Edit. Forense, 11ª ed., pág.165).
Trajano de Miranda Valverde também segue a mesma linha ("Comentários à Lei de Falências", 4ª ed., vol. I, pág. 183).
A jurisprudência desta Corte não destoa desse entendimento, como se pode ver das seguintes ementas:
"COMPETÊNCIA. CONFLITO. FALÊNCIA. FORO DO ESTABELECIMENTO PRINCIPAL DA RÉ. PRECEDENTES. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. INTENÇÃO DE FRAUDAR. CONFLITO CONHECIDO.
I - Segundo o art. 7º do Decreto-Lei 7.661⁄45, 'é competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil'.
II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina, 'estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada', não sendo, de outra parte, 'aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor'
(......................................)
(CC nº 32.988-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 4⁄2⁄2002).
"Competência. Falência. Foro do estabelecimento principal do devedor.
I – A competência para o processo e julgamento do pedido de falência é do Juízo onde o devedor tem o seu principal estabelecimento, e este 'é o local onde a atividade se mantém centralizada', não sendo, de outra parte, 'aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor' (CC nº 21.896-MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo).
II – Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de direito da 8ª Vara Cível de São Paulo-SP, suscitado"
(CC nº 27.835-DF, de minha relatoria, DJ de 9⁄4⁄2001).
"CONCORDATA PREVENTIVA. FORO COMPETENTE.
Processa-se a concordata no local do estabelecimento principal, entendendo-se como tal onde se acha a sede administrativa da empresa, isto é, o comando dos negócios.
Conflito conhecido e declarado competente o suscitado"
(CC nº 1.779-PR, rel. Min. Nilson Naves, DJ de 9⁄9⁄1991).
O colendo Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plena, também já decidiu que:
"1. Foro competente para declarar a falência nos termos do art. 7º, caput, da Lei falencial. De como se define o estabelecimento básico mencionado na sobredita regra. Não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal, mas o que forma concretamente o corpo vivo, o centro vital das principais atividades comerciais do devedor, a sede ou núcleo dos negócios em sua palpitante vivência material.
2. Conflito de competência decidido pelo Supremo Tribunal na consideração do que acima é definido como estabelecimento principal ou básico do devedor"
(CJ nº 6.025-SP, rel. Min. Antônio Néder, DJ de 16⁄2⁄1977).
No caso dos autos, a questão reside fundamentalmente em saber-se onde está o "corpo vivo", o centro vital das principais atividades comerciais do devedor, se em Manaus, onde está localizado o parque industrial das empresas em exame, ou em São Paulo, local onde está o comando e a administração delas.
Salientou a ilustre Ministra Relatora deste conflito que a competência é do Juízo de Manaus, porque lá se encontra o parque fabril da Sharp, e a legislação assim o exige para o recebimento de incentivos fiscais.
A Lei Estadual nº 1.939, de 27 de dezembro de 1998, que regulamentou a política de incentivos fiscais e extrafiscais do Estado do Amazonas, em seu art. 19 determina:
"Art. 19 - As empresas beneficiadas com incentivos fiscais deverão cumprir as seguintes exigências:
(........................................................)
VII - Manter a administração, inclusive a contabilidade, no Estado do Amazonas, bem como utilizar a infra-estrutura de serviço local"
Pode-se argumentar que esse dispositivo determina que a sede estatutária da Sharp está em Manaus.
Acontece que, como se viu da doutrina e do entendimento da Suprema Corte, esse não é o critério utilizado para definir-se "principal estabelecimento" para os fins da Lei Falimentar, que considera o local de comando, de poder de decisão, a chamada "alma da empresa".
Como salientou o Ministro Antônio Néder, do STF: "Não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal, mas o que forma concretamente o corpo vivo, o centro vital das principais atividades comerciais do devedor, a sede ou núcleo dos negócios em sua palpitante vivência material" (grifos nossos).
No memorial de fls. 1.121⁄1.128 juntado aos autos, os autores afirmam:
"Em primeiro lugar, destaca-se que a SHARP DO BRASIL S.A. INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS, conquanto produzisse equipamentos eletro-eletrônicos na fábrica de Manaus, desenvolvia também diversas outras atividades mercantis — comércio, importação e exportação de produtos diversos e prestação de serviços de assistência técnica. E todas essas atividades, de grande relevo na composição do faturamento global da empresa, eram deliberadas e implementadas em São Paulo, sede administrativa e centro de decisões da empresa, na qual se encontrava sua direção e de onde partia a planificação e o comando geral dos negócios.
No mais, é certo também que em São Paulo se concentram os principais fornecedores, clientes e lojas de serviços autorizados (só no Município de São Paulo eram cerca de 112 lojas de serviços autorizados 'Sharp') da SHARP DO BRASIL S.A. INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS.
Além disso, tem-se que os investimentos, a captação de recursos financeiros e os grandes contratos eram aprovados e efetivados pela SHARP DO BRASIL S.A. INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS em São Paulo, tanto que seus maiores credores lá se concentram, tais como instituições financeiras, fornecedores nacionais, transportadoras, dentre outras empresas.
É de se ressaltar, ainda, que todos os membros da Diretoria da SHARP DO BRASIL S.A. INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS, à época do pedido de concordata que veio a ser distribuído à 39ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, residiam no Estado de São Paulo, reunindo-se em Manaus, no Estado do Amazonas, apenas uma vez por ano, e apenas para cumprimento de formalidades — realização de assembléias gerais...
Por fim, cumpre mencionar que o fato de se encontrar em São Paulo o maior volume de negócios, a centralização da influência econômica, a direção, o comando e a administração geral da SHARP DO BRASIL S.A. INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS, tudo como mencionado acima, é que levou a empresa a requerer concordata nesse Foro, absolutamente convicta do cumprimento ao artigo 7º do Decreto-lei nº 7.661⁄45. A fábrica de Manaus, se por um lado representava considerável parcela da atividade da empresa, de outra parte nunca foi eleita como o centro comercial dos negócios, assim como lá igualmente não se encontrava o centro decisório da empresa" (fls. 1.126⁄1.127).
Tenho para mim que o centro vital das principais atividades comerciais da Sharp, "a sede ou núcleo dos negócios em sua palpitante vivência material", como salientado no acórdão do Supremo Tribunal Federal, é em São Paulo, local de decisões da empresa, o centro comercial dos negócios, onde é feita a captação de recursos financeiros e o fechamento dos contratos. É lá onde estão fixados os membros da Diretoria da empresa, especialmente da empresa holding, e onde se concentra o maior volume de negócios.
Como antes assinalado, o Juízo suscitante deferiu o pedido de concordata preventiva, não tendo sido contra essa decisão interpostos recursos. Já contra a decretação da falência se insurgiram vários credores, como noticia o parecer do Ministério Público Estadual nos seguintes termos:
"O Banco Barclays e Galicia S⁄A ingressou com agravo de instrumento, como terceiro prejudicado, contra a sentença que decretou a quebra.
O agravo de instrumento encontra-se acostado à fls. 71⁄101. NADA FOI DECIDIDO.
A requerida também ingressou com Agravo de Instrumento, com documentos acostados as fls. 121⁄132. NADA FOI DECIDIDO.
Multi Banco S⁄A, também, agravou, às fls. 163⁄172. NADA FOI DECIDIDO.
Às fls. 292, despacho judicial determinando a expedição de alvará para levantamento de importância depositada, alvará concedido sendo o dinheiro recebido por pessoa que não é o síndico da massa falida.
Certidões referentes a arrecadação dos bens da massa falida às fls. 345⁄598.
As escassas informações da Autoridade Judicial que decretou a quebra encontram-se às fls. 620 dos autos.
Às fls. 622, o falido requereu liberação de valores pertencentes à massa falida, sendo o alvará expedido em nome de Washinton Luiz S. Alves, QUE NÃO ERA, NEM É, Síndico da massa falida.
Alvará acostado às fls. 637.
Novamente, parcas informações da Autoridade Judicial que decretou a quebra às fls. 639 e 641.
Liberação, de novo, de valores pertencentes à massa falida para cidadão que não era⁄é síndico.
No segundo volume do processo falimentar aparecem várias habilitações de crédito.
Continuam a aparecer levantamentos de valores da massa por Washington Luiz S. Alves que não era⁄é síndico da massa falida.
Às fls. 851, Joaquim Lopes Frazão foi nomeado síndico da massa falida e prestou compromisso às fls. 866.
O terceiro volume do presente processo inicia com várias 'interpelações do síndico para cumprimento do contrato'. O SÍNDICO ATÉ AGORA NADA FALOU E NEM O JUIZ DESPACHOU OS PEDIDOS.
Novos créditos habilitados, na maioria trabalhistas, o síndico nada falou.
Às fls. 1862 o Síndico fala nos autos para requerer levantamento de dinheiro pertencente à massa, do qual não prestou contas.
Aparece o síndico, de novo, nos autos da citada falência falando em empresas incorporadas, em empresas coligadas, porém não apresenta nenhum documento que comprove suas afirmações, e ainda requer a 'EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA', figura inovadora no direito pátrio. Pedido deferido, quebra decretada em minúscula sentença de fls. 1937, sentença que não apresenta qualquer fundamentação legal. E SEM QUE OS AGRAVOS INTERPOSTOS DA PRIMEIRA FALÊNCIA TENHAM SIDO JULGADOS" (fls. 1.160⁄1.162).
Nesse contexto, após examinar os autos e meditar sobre as questões suscitadas, convenci-me de que se deve declarar competente o Juízo de Direito da Comarca de São Paulo, que já deferiu o pedido de concordata preventiva e poderá melhor apreciar o pedido de falência.
Ante o exposto, pedindo vênia à eminente Ministra Nancy Andrighi, voto no sentido de ser declarada a competência do Juízo suscitante, cassados a sentença de falência e os demais atos praticados pelo Juízo suscitado.


CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:
Começo minhas considerações pelo tema da competência, primeiro ponto abordado pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, que lhe deu especial relevo, daí a necessidade de enfrentá-lo.
Como cediço, os critérios de fixação da competência, em nosso sistema, além da competência em razão das pessoas, segundo a doutrina, são três. O primeiro, objetivo, em razão da natureza da causa e do valor; o segundo, o funcional ou hierárquico; e o terceiro, o territorial.
Chama a atenção nos pareceres e memoriais que nos foram encaminhados as longas considerações em torno das competências absoluta e relativa.
Sabemos que a competência absoluta reside – além da competência em razão da pessoa, que está na Constituição – nos critérios em razão da natureza da causa, na competência funcional e por exceção, em algumas hipóteses, também na competência territorial, a exemplo do que se vê no Código de Processo Civil, art. 95, parte final.
A matéria é importante no caso, porque influi na questão de saber se há ou não preclusão em face da decisão que houve em São Paulo na cautelar.
O Ministro Antônio de Pádua Ribeiro acentuou, com muita ênfase, que aquela decisão não poderia ser alterada posteriormente, porque se tratava de competência a respeito da qual já havia preclusão. Se estivermos diante de competência relativa, realmente assim o é; mas se estivermos em face de competência absoluta, não, pois, quando se trata de competência absoluta, há regras na legislação que dizem que o juiz tem obrigação – não só o poder – de reconhecer essa incompetência, de ofício, e encaminhar os autos a quem for competente. Eventual falha nesse tema é dotada de tamanha gravidade que o legislador, nas hipóteses de ação rescisória, colocou também essa regra no art. 485, CPC. Nem a coisa julgada ficou fora. Em um prazo de dois anos, pode-se alegar que a decisão foi proferida em juízo absolutamente incompetente. O argumento, como se vê, reforça a importância da competência absoluta.
O tema da competência é realmente complexo. Quando se trata de competência territorial, por exemplo, que é relativa, o art. 95 excepcionou. E há outras hipóteses de exceção, como ocorre na distinção entre foro e juízo. Em uma comarca como Belo Horizonte, temos a competência de foro, ou seja, a sua circunscrição territorial, e temos também varas com competência absoluta, a exemplo das varas de falência, fazenda pública, família, etc. Em se tratando de falência, o legislador, por opção, diz que essa competência é absoluta.
Em relação ao segundo ponto, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro expressa que está no art. 7º do DL nº 7.661⁄45 a afirmação de que é o principal estabelecimento que serve como baliza para a fixação do foro competente.
Com efeito, diz o art. 7º da Lei de Falência – e também o art. 153, que trata do aspecto da concordata:
"É competente para declarar a falência o Juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil."
Estamos de acordo quanto a isso. Mas pergunto: o que é estabelecimento principal?
O precedente deste Tribunal que mais se aproxima em conceituá-lo é o Conflito de Competência nº 32.988⁄RJ, de minha relatoria, que diz:
"Segundo o art. 7º do Decreto-Lei nº 7.661⁄45, 'é competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento' (...).
II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina, 'estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada', não sendo, de outra parte, 'aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor.' (...)"
No caso, tratava-se de uma empresa do Ceará, com sede no Rio de Janeiro, há muitos anos, que passou a dar cheques sem fundos para pagamento, depois mudou para uma cidade pequena do Ceará, mostrando, portanto, uma evidente má-fé, porque estava se deslocando de um Foro tradicional a uma cidade de quase nenhuma expressão em termos de negócios, apenas para burlar o pagamento dos credores.
O citado acórdão frisou que o local onde a atividade se mantém centralizada é o estabelecimento principal. Então, pergunto: uma empresa vai instalar-se no País, escolhe o pólo industrial de Manaus, recebe financiamentos, benefícios fiscais e tributários, e a legislação tributária diz que essa empresa, para se favorecer dessas vantagens, tem que se situar nesses pólos. A empresa então instala sua Diretoria em uma outra capital, distante, na qual possui um escritório, mas mantém sua fábrica funcionando em uma determinada região, inclusive para usufruir de benesses sob o fundamento de que se instala ali para trazer o progresso para aquela região, para melhorar a distribuição de renda no país e outras vantagens, e isso não se leva em consideração. Pergunto: que Federação é essa em que o indivíduo coloca um escritório em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, e dali passa a comandar? E o que é pior: os trabalhadores, que são aos milhares, muitas vezes, nessa região, se tiverem que ingressar contra a empresa terão que se deslocar da Amazônia para São Paulo, porque São Paulo é considerada a sede da empresa, por lá haver uma placa e uma mesa de diretoria. Será que foi essa a intenção do legislador ao conceder os benefícios?
Nessa situação, vejo o seguinte: em uma falência, a prioridade do legislador são os credores trabalhistas e fiscais. E vamos jogar isso por terra por causa de uma empresa cujos diretores vão morar, por exemplo, no litoral, ou em Petrópolis? Simplesmente essas empresas esquecem que seus trabalhadores, seus credores menores e mais numerosos estão lá na Região Amazônica, sem nenhum acesso à tutela jurisdicional.
É por isso, Sr. Presidente, sob esses argumentos, primeiro, em se tratando de uma competência absoluta, não há preclusão, data venia; segundo, porque o que rege essa matéria, por exceção, é uma competência territorial sim que, no mérito, não vejo como beneficiar uma empresa ou uma diretoria nessas circunstâncias. Além do mais, se há anomalias no Amazonas, devemos reestudar o problema da Federação, para não se imaginar que a Justiça de São Paulo – por ser um Estado mais forte – é melhor do que a do Amazonas. Até prova em contrário, todas as Justiças merecem respeito.
Acompanho o voto da Ministra-Relatora, dando pela competência do Juízo suscitado, com a devida vênia da divergência.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2002⁄0155087-3
CC 37736 ⁄ SP
Número Origem: 532617
EM MESA
JULGADO: 28⁄05⁄2003

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO ADALBERTO NÓBREGA

Secretária
Bela. HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA

AUTUAÇÃO

AUTOR:
SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: PEDRO HENRIQUE MENEZES NAVES E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM

ASSUNTO: Comercial - Concordata - Preventiva - Crédito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto vista do Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, conhecendo do conflito e declarando competente 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, e o voto do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, conhecendo do conflito e declarando competente a 4ª Vara Cível de Manaus, pediu VISTA antecipada o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Aguardam os Srs. Ministros Barros Monteiro, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (art. 162, § 2º, do RISTJ).
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 28 de maio de 2003

HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA
Secretária

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
2ª Seção - 11.6.2003

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):
Os autos dão conta de que Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos requereram, perante o MM. Juízo de Direito da 39ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, concordata preventiva, assim motivando a escolha do foro:
“A circunstância de se encontrar a primeira impetrante (a holding) estabelecida nesta cidade já seria suficiente para justificar a competência do foro central de São Paulo. Não bastasse, é de se ver que a segunda requerente tem, na capital paulista, o seu principal estabelecimento, pois daqui, onde residem e trabalham todos os seus administradores, a empresa é dirigida. Desse modo, torna-se induvidosa a competência da nobre justiça paulista, conforme pacífica jurisprudência, inclusive do e. Superior Tribunal de Justiça (cf. THEOTÔNIO NEGRÃO, CPC, 30ª ed., 1999, nota 2 ao art. 7º do Decreto-lei nº 7.661)” - fl. 9).
A 28 de agosto de 2000, o MM. Juiz de Direito da 39ª Vara Cível da Comarca de São Paulo deferiu o processamento da concordata preventiva (fls. 23⁄28) e, em 29 de outubro de 2002, suscitou o presente conflito de competência, dando conta de que foi “surpreendido pela notícia, no mês de fevereiro de 2002, acerca da decretação da falência da devedora Sharp do Brasil S⁄A Indústria e Equipamentos Eletrônicos, em função de pedido ajuizado por credor quirografário perante a 4ª Vara Cível de Manaus, objeto dos autos nº 00102005519-7; o pedido foi ali normalmente processado – ao que consta, sem que sequer protestado o título que embasou o requerimento de quebra – mediante o singelo e, com a devida vênia, estranho argumento de que incompetente este Juízo suscitante em termos territoriais, e que portanto não estaria aquele Juízo suscitado obrigado a respeitar a competência ditada pelo ajuizamento da concordata” (fl. 3).
“Há notícia, nos autos da concordata, de que a própria devedora e pelo menos outros três credores teriam apresentado recurso perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, razão pela qual optou este Juízo por aguardar o pronunciamento daquela Corte, quando menos no sentido de conferir eventual suspensividade aos agravos interpostos (e na melhor das hipóteses de cassar, em um prazo curto, a irregular sentença falimentar). Ocorre que, passados oito meses, não consta tenha sido proferida qualquer decisão pelo Exmo. Relator designado, em qualquer dos recursos pendentes.
Tal quadro ensejou situação das mais delicadas e de todo prejudicial aos interesses da massa de credores, espalhada por todo o País, pois de um lado este Juízo suscitante não aceitou o pedido do Juízo suscitado de pura e simples remessa a ele dos autos da concordata, que seguiu assim sendo processada (e com a perspectiva de iminente decreto falimentar, pois superado o prazo para o pagamento da primeira parcela sem que qualquer atitude tenha sido tomada por qualquer das devedoras); de outro lado, o MM. Juízo suscitante, sem encontrar obstáculo em sede recursal, simplesmente passou a processar a falência da devedora, criando inaceitável dualidade e campo para reflexos danosos cuja enumeração se faz desnecessária”.
O relato está confortado por cópia da sentença declaratória da falência de Sharp do Brasil S⁄A – Indústria de Equipamentos eletrônicos, datada de 14 de fevereiro de 2002, proferida pelo MM. Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Manaus (fls. 31⁄32), decreto que se estendeu, em 12 de agosto de 2002, a Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e a Sid Informática S⁄A (fls. 114⁄115).
A Relatora Ministra Nancy Andrighi conheceu do conflito para declarar competente o MM. Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Manaus, no que foi acompanhada pelos Ministros Castro Filho e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Deles divergiu o Ministro Pádua Ribeiro, razão pela qual pedi vista antecipada dos autos.
A espécie é interessante, porque a decisão que defere o processamento da concordata obriga todos os credores quirografários e só pode ser modificada pelo próprio juízo da concordata ou reformada por meio dos recursos próprios. Quid, se, como no caso, outro juiz, que não o da concordata, decreta a falência à base de crédito quirografário ? Salvo melhor entendimento, essa decisão é, material e processualmente, equivocada. Materialmente, porque a decisão que defere o processamento da concordata inibe a cobrança de créditos quirografários (DL 7.661⁄45, art. 147). Processualmente, porque nenhum juiz ou tribunal pode desconsiderar decisão judicial cuja reforma lhe está fora do alcance (REsp nº 300.086, RJ, de minha relatoria).
Não obstante, essa decisão existe e está produzindo efeitos incompatíveis com aqueles resultantes daquela que deferiu o processamento da concordata. Porque não podem subsistir no ordenamento jurídico uma decisão e uma sentença que se excluem, incompatíveis que são, na teoria e na prática; uma deferindo o processamento da concordata, outra decretando a falência, esta deve ser desde logo cassada, didaticamente, para que aventuras desse jaez não se repitam, subsistindo o conflito entre um juízo que deferiu o processamento da concordata e outro que se acredita competente para, a despeito disso, decidir sobre o pedido de falência.
Saneado assim o fato teratológico, restam por resolver duas questões, a saber:
- a decisão, irrecorrida, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 39ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, que reconheceu a competência daquele foro para o processamento da concordata, precluiu ?
- acaso negativa a resposta, qual o principal estabelecimento (DL 7.661⁄45, art. 7º) das pessoas jurídicas que requereram a concordata num juízo e tiveram a falência decretada noutro ?
O foro da falência, e também o da concordata (DL 7.661⁄45, art. 154), constitui espécie de competência absoluta, em que qualquer desvio pode ser declarado de ofício e alegado em qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, art. 113, caput). Logo, seja o que for que se tenha decidido a respeito, deve ser corrigido enquanto não ultimado o processo, circunstância que afasta a preclusão.
De outro lado, a lei escolheu o foro da sede do principal estabelecimento para o processamento da concordata e da falência, por razões de ordem prática. “Cuidamos” - ensina Chiovenda – “de competência funcional em dois casos: a) ... b) “Quando uma causa é confiada ao juiz de determinado território pelo fato de ser aí mais fácil ou mais eficaz a sua função (execução no lugar dos bens; processo de falência na sede do estabelecimento comercial principal ...)” – in Instituições de Direito Processual Civil, Edição Saraiva, São Paulo, 1965, 2ª edição, 2º vol., p. 187). Conseqüentemente, a decisão deste conflito de competência deve passar por esta indagação: onde a falência poderá ser melhor administrada, em São Paulo ou em Manaus ? Os modernos meios de comunicação, fora de toda dúvida, propiciam a direção de uma empresa à distância. Mas o gerenciamento de uma falência exige a presença do síndico no local onde estão os maiores ativos da empresa, sob a constante fiscalização do juiz.
Outra seria a solução em relação a Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos (a holding), que tem sede em São Paulo, e nenhum ativo fora dali, se a petição inicial não tivesse requerido a reunião dos processos, que chamou de “impositiva” (fl. 8), à base da seguinte fundamentação:
“1.A primeira impetrante, SHARP S.A., é a holding do grupo SHARP, detendo, além de outras participações societárias, 88% das ações do capital da segunda impetrante, SHARP DO BRASIL, que se dedica à fabricação dos conhecidos produtos eletrônicos que ostentam essa prestigiosa marca.
2.Toda a dívida objeto desta impetração decorreu do financiamento da atividade industrial desenvolvida pela segunda requerente, não havendo qualquer débito contraído diretamente pela primeira suplicante. Todavia, como sói acontecer no mercado financeiro, grande parte dos credores exigiram, na concessão de crédito, garantia pessoal da controladora SHARP S.A.
3.Desse modo, conquanto sociedades distintas, unidas apenas pelo vínculo de controle, o endividamento de ambas é rigorosamente o mesmo: os débitos da SHARP S.A. são o reflexo da parte da dívida da SHARP DO BRASIL, que contou com solidariedade obrigacional da sua controladora, salvo quanto o ínfimo percentual de 0,26%, que é seu débito próprio.
4.Se o endividamento da segunda impetrante, SHARP DO BRASIL, engloba, por força de fianças e avais, o da primeira suplicante, SHARP S.A. – o que também leva, obviamente, à coincidência de credores e à comunhão das razões que justificam o requerimento da concordata – é irrecusável a conexão entre ambas as ações, que aqui se propõem cumulativamente.
5.Com efeito, constituiria inegável absurdo a impetração de duas concordatas separadas, quando se cuida de se submeterem, pelas mesmas razões de fato e de direito, mesmos créditos e credores, ao regime que ora se postula” (fls. 8⁄9).
Voto, por isso, no sentido de cassar a sentença que decretou a falência de Sharp S⁄A Equipamentos Eletrônicos e Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos, bem assim de declarar competente o MM. Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus para processar a concordata de Sharp do Brasil S⁄A Indústria de Equipamentos Eletrônicos e para decidir sobre o pedido de falência articulado pelo Laboratório de Análises Clínicas Dr. Costa Curta.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

VOTO VENCIDO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, peço vênia para aderir à divergência. O pedido de concordata já havia sido deferido pelo Juízo do Foro da Comarca da Capital de São Paulo e desse fato, induvidosamente, tanto o requerente da falência como o Juízo da Falência tinham conhecimento. Não poderiam ignorar essa circunstância e, tratando-se de crédito quirografário, deveria o credor dirigir-se ao Juiz da Comarca de São Paulo para formular o pedido de falência .
Penso que essa questão é primordial em relação a se saber onde está o estabelecimento principal da empresa, que se pressupõe esteja no Município de São Paulo porque a concordata foi ali admitida, e contra essa decisão, no ponto competencial, não houve recurso.
Em suma, acompanho o voto proferido pelo Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no sentido de ser declarada a competência do Juízo suscitante.


CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Sr. Presidente, acompanho o voto da eminente Ministra-Relatora com os argumentos trazidos pelos Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Ari Pargendler e, também, tendo em vista o que decidiu a Segunda Seção no Conflito de Competência nº 21.896⁄MG, que no essencial diz:
"A competência para o processo e julgamento do pedido de falência é do Juízo onde o devedor tem o seu principal estabelecimento, e esse é o local onde a atividade se mantenha centralizada, não sendo, de outra parte, àquele a quem os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor."
E, nesse caso, inegavelmente o centro vital das atividades da empresa se encontra em Manaus.
Com a vênia da divergência, acompanho a Sra. Ministra-Relatora, conhecendo do conflito para declarar competente a 4ª Vara Cível de Manaus para processar e julgar o pedido de falência.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, a matéria, realmente, suscita muita controvérsia. A questão de fato é que, em março de 2000, houve um ingresso, em São Paulo, de pedido de concordata da holding e do estabelecimento industrial, aquela, declaradamente, com sede em São Paulo e este com sede em Manaus. Esse pedido foi deferido; cerca de dois anos depois, em 2002, houve o ingresso de pedido de falência contra a empresa sediada em Manaus, ou seja, a empresa controlada. Segundo se informa, esse pedido foi lastreado em um título que estaria sujeito à concordata já aberta e deferida em São Paulo.
Dois brilhantes pareceres dos juristas Ada Pellegrine Grinnover e Eduardo Ribeiro vieram aos autos, e neles se verifica que não há qualquer questionamento sobre a natureza da competência funcional estabelecida no art. 7º da Lei de Falências. Trata-se de competência absoluta. Os pareceres demonstram que a doutrina converge nesse sentido, chegando mesmo a tangenciar aquilo que se poderia chamar de competência funcional territorial.
A primeira discussão, a meu ver, posta corretamente pelo eminente Ministro Ari Pargendler, diz respeito à competência para o decreto de falência. E, nesse passo, tenho a mais funda convicção de que o Juiz de Manaus não tem competência para decretar a falência, porque já estava em curso pedido de concordata de ambas as empresas, o qual foi deferido e, segundo se ressalta, o Juiz de Manaus dele teria conhecimento. Portanto, o decreto de falência por ele emitido, sem a menor sombra de dúvida, configura decisão teratológica, porque não é possível, havendo o processamento de uma concordata, decretar-se, em outro foro, a falência da empresa lá sediada e, ao mesmo tempo, por mero despacho, estender-se essa falência a outra empresa sediada em São Paulo, ou seja, decretar a falência da empresa controlada e, por via de despacho, estender essa falência à empresa controladora, esta com sede em São Paulo.
O segundo motivo, que revela também o absurdo da decisão, é que o crédito, que é objeto do pedido de falência no Juízo de Manaus, é anterior à concordata; por essa razão, já estaria subordinado aos efeitos da concordata e, em conseqüência, não poderia ser objeto do decreto falimentar pelo Juízo de outro foro. Essa decisão que defere o pedido de falência feito por um credor que tem título sujeito a uma concordata deferida e em processamento no Estado de São Paulo, a meu sentir, é despropositada, não pode perdurar. E não é possível admiti-la sob pena de se violentar claramente o ordenamento jurídico brasileiro. Não tenho dúvida com relação a essa parte, muito bem posta no voto do eminente Ministro Ari Pargendler e na esteira de precedentes que, nesta Segunda Seção, igualmente reconheceram a possibilidade da decisão anulatória do ato praticado no julgamento de conflito de competência.
Outra questão, que suscita dúvida ainda maior, é a de saber, uma vez superado esse questionamento, qual seria o estabelecimento principal para efeito da definição do foro.
Sempre deve ser examinada a relação entre a empresa holding e a empresa controlada. Não se pode levar pura e simplesmente de roldão, pelo fato de uma controlada pedir concordata, ou falência, a controladora, porque são empresas completamente distintas e pouco importa, sob o aspecto jurídico e na doutrina do Direito Comercial, que a controladora seja apenas uma empresa que tenha ativos de natureza jurídica, isto é, ações. Esse é um fato absolutamente irrelevante para a distinção entre a empresa controladora e a empresa controlada.
Mas, em princípio, essa questão está superada, porque, como salientou o eminente Ministro Ari Pargendler, na petição inicial da concordata, as próprias empresas entenderam que haveria necessidade do pedido de concordata também da controladora, à medida que o pedido de concordata da controlada acarretaria, em função de avais, fianças, contratos conjuntos, garantias que foram dadas pela controladora, evidentemente, conseqüências severas, tendo em vista a impossibilidade de prosseguimento dos negócios sociais da empresa controlada. A petição inicial é absolutamente clara sobre esse ponto. Portanto, como disse o Senhor Ministro Ari Pargendler, também ressalvo tal perspectiva diante dessa peculiaridade, ainda que, a meu sentir, o pedido de concordata da empresa controladora, porque tem sede indiscutível na cidade de São Paulo, devesse prosseguir na cidade de São Paulo. O Juiz competente seria o de São Paulo para apreciar eventual decreto de falência da empresa controladora.
No que diz respeito à empresa controlada, a partir do voto que foi proferido pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, na última sessão, e do voto agora proferido pelo eminente Ministro Ari Pargendler, sublinhando também a posição que foi indicada pela eminente Ministra Nancy Andrighi em seu voto, verifico que a uma empresa foi organizada e funciona na cidade de Manaus, sob a guarida de uma lei especial de incentivos fiscais. De acordo com essa Lei, até mesmo local, um dos requisitos exigidos é exatamente que essa empresa tenha a sua sede, a sua administração, os seus escritórios contábeis, tudo naquela cidade de Manaus para que ela possa usufruir os benefícios de natureza fiscal.
Por essa circunstância e pelas demais apontadas pelos eminentes Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Ari Pargendler no que concerne à conceituação de estabelecimento principal, para os efeitos de se determinar a competência do foro para o processamento, seja da concordata, seja da falência, neste caso, especificamente, diante da peculiaridade de a empresa controlada ser beneficiária de incentivos fiscais, cuja exigência legal para o seu gozo determina que a administração, a escrituração, o planejamento, enfim, tudo o que a ela se refere em termos gerenciais esteja sediado em Manaus, a identificação do estabelecimento principal, penso, deve ser definida em Manaus.
Ademais, como disse, daqueles outros argumentos, no que concerne à própria facilitação da execução, lembro de resto toda a doutrina sobre a competência territorial, que tem esse conteúdo de interesse público, devem ser considerados, relevante, no caso, a perspectiva social, destacada no voto do Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Tudo tendo como eixo a peculiaridade de ser uma empresa controlada, subordinada, especificamente, ao regime de incentivos fiscais, que exige seja a sede na cidade de Manaus; por isso, vejo que a competência deve ser do Juízo de Manaus.
Não confiro, como o Senhor Ministro Ari Pargendler o faz, tanta relevância àquela primeira pergunta relativa à preclusão do julgado inicial de São Paulo sobre o processamento da concordata, porque enxergo que, nessa hipótese, os outros fundamentos são de tal forma absorventes que permitem, independentemente deste, levar à definição da competência no Juízo de Manaus.
Assim, o meu voto, em princípio, é no sentido de acompanhar o voto do Senhor Ministro Ari Pargendler, apenas com a observação de que, se o entendimento dos meus eminentes colegas for no mesmo sentido, eu também faria a distinção com relação à empresa controladora. Portanto, conheço do conflito de competência e lhe dou provimento para determinar que seja anulada a decisão que decretou a falência da empresa controlada e estendeu seus efeitos à empresa controladora e para que o processamento da concordata, diante da configuração peculiar do estabelecimento principal, seja feito no Juízo de Manaus, mantendo, todavia, a competência para o processamento da concordata com relação à empresa controladora no Juízo de São Paulo.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

ADITAMENTO AO VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO: Sr. Presidente, conheço do conflito para declarar competente a 4ª Vara Cível de Manaus para processar e julgar o pedido de falência e, embora com certa reserva, concordo com a anulação.
Ministro CASTRO FILHO

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

ADITAMENTO AO VOTO VENCIDO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no sentido de que, ao declarar a competência do Juízo de São Paulo, ou seja, o Juízo da concordata, é nulo o ato praticado pelo Juízo de Manaus.


CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
QUESTÃO DE ORDEM

VOTO
O SR. MINISTRO CASTRO FILHO: Sr. Presidente, acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora, entendendo ser Manaus o foro competente em relação às duas empresas.
Ministro CASTRO FILHO

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

QUESTÃO DE ORDEM
VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:
Sr. Presidente, acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora, no sentido de que Manaus é competente em relação às duas empresas.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)

QUESTÃO DE ORDEM

O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Sr. Presidente, acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora, no sentido de que Manaus é competente em relação às duas empresas.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 37.736 - SP (2002⁄0155087-3)
QUESTÃO DE ORDEM

ESCLARECIMENTO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, não se trata de retificar o voto, mas, para simplificar, da peculiaridade do caso concreto, e já que meus colegas entendem de manter a unidade do processamento da concordata da controladora e da concordata, acompanho a conclusão do voto da Senhora Ministra Relatora, competente o Juízo de Manaus em relação às duas empresas.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2002⁄0155087-3
CC 37736 ⁄ SP

Número Origem: 532617

EM MESA
JULGADO: 11⁄06⁄2003


Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES FILHO

Secretária
Bela. HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA

AUTUAÇÃO

AUTOR: SHARP S⁄A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E OUTRO
ADVOGADO: JOSÉ CARLOS ETRUSCO VIEIRA E OUTROS
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 39A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 4A VARA CÍVEL DE MANAUS - AM
ASSUNTO: Comercial - Concordata - Preventiva - Crédito

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler, conhecendo do conflito e declarando competente a 4ª Vara Cível de Manaus, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito e o voto do Sr. Ministro Barros Monteiro, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, a Seção, por unanimidade, conheceu do conflito, e, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Barros Monteiro, declarou competente a 4ª Vara Cível de Manaus em relação às duas empresas e decretou a nulidade do decreto falencial proferido pelo Juiz de Manaus, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora.
Na preliminar, os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Ari Pargendler, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora.
No mérito, os Srs. Ministros Castro Filho, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Ari Pargendler, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (art. 162, § 2º, do RISTJ).

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 11 de junho de 2003

HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA, Secretária

marți, martie 15, 2005

Penhora de Quotas - Superior Tribunal de Justiça (BR)

DIREITO COMERCIAL - RECURSO ESPECIAL - PENHORA DE COTAS SOCIAIS - VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (ART. 93, IX, DA CF/88) - IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE - OFENSA AO ART. 458 DO CPC E AO ART. 292 DO CÓDIGO COMERCIAL - SÚMULA 211/STJ - NÃO ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC - EXECUÇÃO - DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO - COTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - PENHORABILIDADE - SÚMULA 83/STJ. 1 -
Encontrando-se o v. aresto guerreado em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional no sentido da penhorabilidade das cotas de sociedade de responsabilidade limitada por dívida particular de sócio, não se conhece da via especial pela divergência. Aplicação da Súmula 83/STJ.2 - Não cabe Recurso Especial se, apesar de provocada em sede de Embargos Declaratórios, a Corte a quo não aprecia a matéria (art. 458 do Código de Processo Civil e art. 292 do Código Comercial), omitindo-se sobre pontos que deveria pronunciar-se. Incidência da Súmula 211/STJ. Para conhecimento da via especial, necessário seria a recorrente interpô-la alegando ofensa, também, ao art. 535 da Lei Processual Civil (cf. AGA nº 557.468/RS e AGREsp nº 390.135/PR).3 - Esta Corte Superior não se presta à análise de matéria constitucional (art. 93, IX, da Constituição Federal), cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional (cf. REsp nºs 72.995/RJ, 416.340/SP, 439.697/ES).4 - A previsão contratual de proibição à livre alienação das cotas de sociedade de responsabilidade limitada não impede a penhora de tais cotas para garantir o pagamento de dívida pessoal de sócio. Isto porque, referida penhora não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio. Ademais, o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, nos termos do art. 591 do Código de Processo Civil.5 - Precedentes (REsp nºs 327.687/SP, 172.612/SP e 147.546/RS).6 - Recurso não conhecido.(RESP 317651 / AM ; Relator(a) Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 05/10/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 22.11.2004 p. 346 )